segunda-feira, 15 de março de 2021

A "Missa" Definitiva de Zack Snyder



                                                   "Tem que colocar cor no filme, porra!"




Nesta quinta-feira teremos o lançamento do tão aguardado Snyder Cut. Finalmente veremos a versão original de Liga da Justiça (2017), filme que sofreu com o afastamento de Zack Snyder depois do trágico falecimento de sua filha. Independentemente de ser mais uma jogada de marketing da Warner para tentar arrecadar receita nesta época de pandemia e ainda alavancar a sua plataforma de streaming (HBO Max), esse é um momento importante para a DC no cinema. 





É a prova de fogo para este universo. Será que Zack Snyder e a sua fórmula “estilo sobre conteúdo” pode ter uma chance de continuação, ou a Warner realmente só está dando uma grande “festa de despedida” para o diretor? 


Antes de falar sobre o DCEU e o Snyder Cut, quero deixar bem claro que o Snyder merece ter sua visão concretizada por tudo que aconteceu. A perda de sua filha em uma circunstância traumática e vários desmandos da Warner durante a produção de Liga da Justiça por si só já garantem essa reparação ao diretor e aos fãs da DCEU. Mas isso não pode influenciar na análise do Snyder Cut ou dos outros filmes dele. O que importa aqui é o seu trabalho. Se o resultado final do Snyder Cut for ruim, não podemos dar desconto por causa de sua vida pessoal. Ele teve uma oportunidade praticamente inédita em Hollywood de ter sua visão concretizada e não poderá reclamar se mais uma vez o grande público não gostar de seu trabalho. 





“Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem”


E estou falando do grande público. O “público civil” não está nem aí para cronologia ou "endeusa" o Snyder. É este público que garante a bilheteria gorda. Sim, os fãs "fiéis" do diretor são importantes, principalmente pela mobilização para o lançamento do Snyder Cut, mas esses filmes precisam ir bem com o público e não só com os que tratam o Snyder como Deus.  Aliás, esse tratamento de figura quase messiânica que foi dada ao diretor atrapalhou e ajudou o DCEU ao mesmo tempo. Atrapalhou, porque parece que hoje só as versões destes personagens da DC que foram adaptados pelo diretor é que valem perante aos olhos desses “fiéis”. Como essa falta de direção que a Warner sempre teve ao tentar criar o seu universo cinematográfico, agora ela tem muito trabalho em apresentar uma visão mais leve e próxima dos quadrinhos.




Típico "Snydette" na Internet 


Mas ao mesmo tempo ela ajudou no quesito da mobilização e na defesa da visão de um artista. Mesmo não sendo o ideal, o DCEU como foi concebido ainda é um importante contraponto ao MCU da Marvel. Infelizmente sofre do mesmo problema da nova trilogia do Star Wars que é a falta de planejamento, mas é importante ter uma abordagem diferente em um subgênero que tem poucas variações de narrativa e visão. Você pode odiar o Snyder – e acredite, eu odeio muitas coisas que ele faz – mas ele ainda é um cara que defende sua visão e que tenta se diferenciar dos outros no que pode. 



 Se o DCEU tivesse alguém para canalizar e projetar todo o plano do Snyder em vários filmes, talvez ele estivesse no mesmo patamar do MCU hoje. Mesmo com uma visão questionável sobre os personagens, Snyder tinha um plano bem interessante. É uma pena que a Warner sempre foi afobada e ansiosa. Se esses personagens tivessem bons filmes introdutórios antes de Batman vs Superman, talvez essa trilogia ao estilo “Senhor dos Anéis” que o Snyder tanto queria para a Liga da Justiça tivesse acontecido. 



Mas aí vem o lado “bom” dos fiéis do Snyder. Se não fosse por eles literalmente ENCHEREM O SACO da Warner, talvez os executivos não bancariam essa oportunidade de negócios. Claro, a pandemia ajudou muito nesta decisão. A Warner precisa de conteúdo de fácil produção e distribuição. Terminar a versão de Liga da Justiça do Snyder e ainda conseguir atrair mais gente para o HBO Max é uma grande oportunidade. E está lançada a sorte agora. Se por um milagre o Snyder Cut conseguir bons números de assinaturas e um bom retorno com o Snyder Cut, talvez a visão do diretor possa ser revisitada em um futuro pós-pandemia. Ainda temos a polêmica com o Joss Whedon, sendo acusado de assédio moral por vários atores e membros da equipe nas refilmagens de Liga da Justiça. Snyder disse que a versão de Whedon ainda é canônica para a Warner, mas se o Snyder Cut vingar, talvez – E isso é um grande talvez – a Warner possa mudar de ideia, até porque seria interessante se afastar ainda mais do Joss Whedon. 


Mas será que isso vai acontecer mesmo? Antes, vamos relembrar o Snyder no DCEU



“O Evangelho segundo Snyder”


Há sete anos atrás era lançado o primeiro teaser de Homem de Aço. Com a trilha de “The Bridge of Khazad Dum” de O Senhor dos Anéis, o teaser mostrava uma abordagem mais pessoal do personagem. Uma fotografia totalmente chupinhada inspirada pelo filme “A Árvore da Vida” de Terrence Malick. Iniciava o caminho de Zack Snyder com o maior personagem da DC nos cinemas. Até o momento, Snyder tinha feito duas adaptações de graphic novels para a Warner; 300 e Watchmen, onde ambas tiveram resultados bem diferentes. O primeiro foi muito bem recebido por crítica e público. Seu estilo de direção com câmeras lentas nas cenas de batalha, paleta de cores “sombria”, cenas dos quadrinhos que foram transportadas diretamente para a tela e o ótimo trabalho de CGI para adaptar a obra de Frank Miller para o cinema, fizeram que a Warner bancasse sua visão para Watchmen




Watchmen era e ainda é impossível de ser adaptada, mas o diretor ainda tinha carta branca na Warner.  Sua adaptação ainda divide muito os fãs da obra original, principalmente o seu final. A ideia principal e seus temas são muito difíceis para serem adaptadas no cinema que ainda tinha o subgênero de super-heróis ganhando forma. O comentário sobre a indústria de quadrinhos de super-heróis ainda não servia para o subgênero no cinema. 


O estilo visual de Snyder acabou sendo o grande destaque. Logo após Watchmen, Snyder começou seu trabalho em O Homem de Aço. Com produção executiva de Christopher Nolan (Trilogia The Dark Knight), era o início do universo cinematográfico da DC. Como Nolan não queria se comprometer em um projeto maior com o seu Batman, Snyder era a escolha do estúdio para iniciar o DCEU. Era o ano 2013, e a Marvel já tinha estabelecido o padrão para universo cinematográfico com uma fase inteira de filmes que se conectavam e com um grande evento em 2012 (Os Vingadores), dirigido pelo cara que a Warner um dia iria chamar para substituir Snyder em Liga da Justiça, Joss Whedon. 






O Homem de Aço tem várias inspirações em Graphic Novel's como O Último Filho e run’s como Superman: Terra Um. Aqui vemos um início de jornada do personagem com muito mais questionamentos sobre o seu papel na humanidade. Um Superman com mais dúvidas e mais inseguro do que outras versões já vistas no cinema. É outro filme da filmografia do diretor que divide opiniões até hoje. A desesperança que o personagem traz e os momentos de exagero em algumas partes da história – a morte hollywoodiana do Jonathan Kent – fizeram com que o reboot do personagem tivesse uma recepção morna. 





Com o sucesso galopante da Casa das Ideias Roubadas, a Warner decidiu acelerar um pouco o desenvolvimento do DCEU e bancar mais uma produção gigantesca. Batman vs Superman seria o seu grande “Calcanhar de Aquiles”. O filme não só dividiu ainda mais o público, como também serviu de exemplo de como NÃO construir um universo compartilhado no cinema. O filme tenta ser uma continuação de O Homem de Aço. Uma introdução de um novo Batman em um curto espaço de tempo após o fim da trilogia do Nolan. Uma introdução da Mulher-Maravilha no cinema e ainda preparava o terreno para outros filmes como Esquadrão Suicida e Liga da Justiça. Tudo isso enquanto ainda tentava ser uma obra única. Com uma trama cheia, sobrou pouco espaço de desenvolvimento para os personagens. 




A morte do Superman não tem o mesmo peso do que a sua morte nos quadrinhos. Era praticamente o segundo filme do personagem e ele ainda nem tinha realmente se estabelecido como a figura clássica. O personagem não consegue evoluir e realmente se consolidar como o Super-herói que todos conhecemos. A opinião pública sempre o coloca para baixo. Você não vê em nenhum momento ele se impondo e sendo um exemplo de moralidade perante a desconfiança que lhe é atribuída. Parece que ele tem vergonha de ser o Superman. Sim, precisava ter algo para gerar a rivalidade com o Batman, mas tudo é construído de uma forma rápida e sem qualidade. A atuação de Henry Cavil também não ajuda muito em todo esse processo. 



Batman era só uma figura que estava afastada por muito tempo. Não conseguimos se relacionar com a sua fúria contra o Superman. Um uniforme surrado do Robin não é o bastante para mostrar o quanto ele já sofreu em sua carreira. A Mulher-Maravilha só tem uma participação decorativa no filme. Ela ainda teve um ótimo filme de origem após BvS, mas logo depois em Liga da Justiça ela voltou a ter uma participação bem discreta no DCEU. O grande destaque mais uma vez é o estilo visual e das cenas de ação dirigidas pelo Snyder. Aqui ele realmente se destaca dos demais. Sempre achei o seu estilo de fotografia muito legal e suas cenas de ação bem construídas, mesmo que elas desrespeitem um pouco a origem de seus heróis. Parece sempre mostrar os heróis de uma forma mais épica, ao contrário dos filmes da Marvel. Dá para contar nos dedos da mão de um certo ex-presidente do Brasil quais os filmes da Marvel que tem uma fotografia um pouco mais ousada ou mais caprichada. 





O desfecho da trama e da rivalidade dos personagens também não ajudou muito. “Save Martha” é um dos diálogos mais infames da história do cinema. O roteirista Chris Terio conseguiu emplacar dois em uma década. Esse e o Rey Skywalker no último filme de Star Wars, "PARABÉNS". Embora tenha boa intenção, a forma como foi entregue na tela soou artificial e forçada. Foi o bastante para a Warner mudar o desenvolvimento de todo o DCEU. Com a péssima recepção de BvS e Esquadrão Suicida, a Warner decidiu que Liga da Justiça teria uma duração de apenas duas horas e um clima mais leve em sua história. Algo mais próximo dos filmes da Marvel. Snyder ainda lutava pela sua visão durante a produção quando o pior aconteceu. Sua filha adotiva, Autumn, se suicidou. Snyder ainda tentou trabalhar, mas ele já não era o mesmo. Seu estilo que já era mais sombrio, agora estava ainda mais carregado e contrastava ainda mais com a visão que a Warner queria para o filme. 


O estúdio resolveu afastá-lo e trouxe Joss Whedon para finalizar o filme. Whedon praticamente mudou boa parte do filme a pedido da Warner. O filme perdeu aquela fotografia do Snyder e ganhou mais cores. Várias cenas foram reescritas e refeitas. O filme foi uma tragédia com público e crítica. Chegava ali o fim do DCEU como a gente conhecia. Mulher-Maravilha ganharia uma continuação e Aquaman o seu primeiro filme. Flash teve seu filme adiado e Shazam teve sua primeira oportunidade no cinema. Projetos que fugiram totalmente da dinâmica mais séria que o Snyder sempre propôs ao DCEU. Ao mesmo tempo que o Snyder consegue ser um cara com uma visão bem definida do que quer para este universo, ele também não consegue faz que isso chegue ao "público civil" que eu mencionei no começo desse texto. A Warner é um péssimo estúdio, mas no final você até entende um pouco esse desespero deles ao tentar consertar o DCEU no meio do caminho.


Mas os fãs do diretor ainda se sentiam traídos pela Warner, e logo começava uma campanha pelo diretor e sua visão original. 





 A Igreja “Snyderiana” 



O Snyder Cut com certeza será um case de estudos da cultura pop no futuro. A mobilização dos fãs foi impressionante, muitas vezes até irritante. Mas no fim, conseguiram fazer que suas vozes fossem ouvidas. Mesmo grande parte quase negando a origem dos personagens, é um grupo de fãs dedicados a manter visão do Snyder preservada. Com já foi dito aqui, acho importante terminar o que já foi iniciado. Pegue a trilogia Star Wars da Disney. The Rise of Skywalker poderia ter um resultado melhor se não tivesse acontecido e Duel of Fates de Colin Trevorrow tivesse sido produzido. 


Sim, eu simplesmente ODEIO tudo que Rian Johnson fez em The Last Jedi, mas era importante que sua visão fosse concretizada no outro filme. E Colin Trevorrow iria respeitar o que foi feito em TLJ. Warner e Disney tem uma dificuldade imensa de conciliar suas franquias com o que o público quer ver. Ambas falharam em respeitar os personagens, mas poderiam ter respeitado um pouco mais o que público desejava. Eu quero muito acreditar que o Snyder Cut seja uma mudança de paradigma na indústria, mas a grande realidade é que Hollywood é uma terra de egos inflados e de vários interesses. Na minha humilde opinião de entusiasta de cultura pop, a Warner sabe que falhou miseravelmente com o DCEU, mas dificilmente cederá aos desejos do público e do Zack Snyder por uma continuação de Liga da Justiça simplesmente por não querer que o Snyder saia ganhando nessa. 


Ela prefere perder um pouco de dinheiro e recusar a possibilidade de ganhar mais dinheiro em um hipotético sucesso com novos filmes deste DCEU do que ver o Snyder ter sucesso com a visão que eles não querem. Talvez com um sucesso deste corte e uma manifestação ainda maior por uma continuação aconteça, mas tem muito orgulho envolvido nisto. Eu torço para que o Snyder Cut queime a minha língua e que a Warner repense sua estratégia para o DCEU, mas sinto que teremos uma despedida do Snyder essa semana. 






"Em nome do Dr. Manhattan, do Batman e do Superman. Amém!"

Seja pelos fãs ou pelo dinheiro. Pelo bem ou pelo o Mal. Com “Snyderismos” ou não, essa semana vai entrar para a história da DC. Só espero que o público finalmente receba um produto de qualidade. Como eu e o Matheus já declaramos em vários MellonCast’s aqui do blog, é obrigação da Warner entregar uma produção bem-feita e que honre o dinheiro gasto pela a audiência. Ainda acho o Zack Snyder um cara talentoso visualmente, principalmente em suas produções fora das adaptações de quadrinhos. Quando o assunto é DC, infelizmente ele é aquele cara que parece que leu os quadrinhos, mas não entendeu boa parte deles e focou mais no que ele gosta (visual). É um cara que parece fazer fan films com orçamento Hollywoodiano. Mesmo tendo uma carreira infame, ele merece ter sua visão original apresentada. 

 

A história de Liga da Justiça não é perfeita, mas prefiro ver ela como realmente foi pensada para ser concebida do que o Joss Whedon fazendo o Batman virar um Boomer piadista de churrasco de fim de semana. Minha única preocupação é com a montagem desse filme. Sabe a versão estendida de O Retorno do Rei onde aparece o Boca de Sauron e depois ele some do nada na próxima cena? Espero que o filme não sofra com momentos como este. Não pode simplesmente jogar todas as cenas que estavam do corte de cinema por si só. Espero que o ritmo e a edição seja fluída e não comprometa ainda mais essa história.

 

É uma chance de dias melhores para a DC e Warner. Afinal, “A esperança é a última que morre! ”. 


(Mas uma hora morre MESMO)


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