Bom, eu gosto de escrever muito, então o texto pode ficar um
pouco longo. Assim, dividirei o texto em duas partes: nessa primeira parte,
você terá um resumo do filme (sem spoilers) e o que eu achei dele, de uma forma
geral; na segunda parte, mais extensa, vou falar um pouco mais sobre cada parte
do filme (com spoilers). Então, tome um tempo, relaxe, e boa viagem!
Para quem ainda não viu...
Oz: Mágico e Poderoso é o novo filme da Disney dirigido pelo
Sam Raimi (trilogia Homem-Aranha, Evil Dead, Darkman, Arraste-me Para o Inferno)
e estrelado por James Franco (Homem-Aranha, 127 Horas), Rachel Weisz (A Múmia,
Constantine), Mila Kunis (That ‘70s Show, Ted) e Michelle Williams (Sete Dias com Marilyn, Namorados Para Sempre), que conta a história de como o mágico
Oscar Diggs foi parar na Terra de Oz, servindo de prelúdio para a famosa
história O Mágico de Oz, principalmente para o filme clássico de 1939 (aquele,
da Judy Garland cantando “Over the Rainbow” e que se você rodar com o disco
Dark Side of the Moon do Pink Floyd, vai ficar sem dormir à noite). Oscar é um
mágico meia boca, de um circo itinerante, que foge num balão e vai parar em Oz,
onde acreditam que ele é o salvador do povo de Oz, conforme descrito numa
profecia, e que deve enfrentar a bruxa má para se tornar rei de Oz.
Oscar acha que está sendo esperto em aceitar o papel de
mágico salvador, mas aos poucos as coisas vão se complicando e ele terá que
acreditar em si mesmo e resgatar a bondade que tem no coração, para conseguir
cumprir a profecia. E para contar essa
história, o diretor do filme encheu a tela com um visual exuberante e colorido,
aproveitando muito bem o 3D, já regra em filmes de fantasia atuais. Um filme
divertido e bonito de se ver.
Gostei muito do filme, apesar de algumas falhas (leia-se
James Franco). O filme tenta trazer de volta o espírito ingênuo que os filmes
antigos tinham. Inclusive, acredito que Oz: Mágico e Poderoso pode ser
entendido como uma homenagem ao cinema hollywoodiano clássico, na mesma linha de Hugo Cabret. É um filme leve e gostoso de assistir, mas apesar da história
infantil, não acredito que seja para todos os públicos, como as demais
produções da Disney. Se você é amante do cinema, principalmente do cinema
norte-americano dos anos 30, 40 e 50, seu encanto com o filme será maior do que
àqueles acostumados à franquia Piratas do Caribe.
É Mágico! Mas... poderoso?
O que mais encanta ao assistir ao filme Oz: Mágico e
Poderoso é o seu visual e suas nuances, suas referências. Se alguém deveria ser
premiado nesse filme, com certeza deveria ser o pessoal de Direção de Arte,
Fotografia e Figurino. Além do mais, quem gosta de cinema, sobretudo do filme
clássico O Mágico de Oz de 1939, dirigido por Victor Fleming e estrelado por
Judy Garland, vai se encantar com várias partes do filme.
O filme começa com uma abertura em preto e branco, no estilo
diorama e Teatro de Papel, numa possível homenagem aos filmes de Georges Méliès
– que por sinal também era mágico antes de se tornar cineasta, numa alusão ao
que Oscar vem a fazer no final do filme, misturando a mágica com o cinema. Uma
abertura de muito com gosto...
A abertura é em preto e branco, bem como a primeira parte do
filme, visualizada em proporção 1,33:1 (ou a famosa 4:3), o formato de tela
antigo, meio quadrado. Daí, para quem já assistiu O Mágico de Oz de 1939, já entende
o que se espera. No filme clássico, também no formato 4:3, o início é preto e
branco e, quando Dorothy chega à Terra de Oz, o filme fica colorido. Em Oz:
Mágico e Poderoso, Sam Raimi tenta reproduzir a mágica de Victor Fleming,
iniciando o filme em preto e branco e, quando Oscar chega à Oz, a tela fica
colorida, muito colorida. Já vi críticas a isso, uma vez que Victor Fleming
utilizou essa técnica na forma de impressionar o público com a novidade do
cinema em cores e no filme de Sam Raimi não passaria de um efeito de edição,
nada mais. Porém, o fato do filme começar em 4:3 e, quando se torna colorido,
passar gradativamente para o formato panorâmico atual (7:3) – fora alguns
fatores dos quais falarei mais abaixo – já é uma dica que a ideia aqui foi
fazer uma homenagem ao filme clássico (e ao cinema de forma geral), só
reforçando a ideia tão esquecida de que ao ir ao cinema, saímos da realidade
cinzenta e quadrada para imergir num universo colorido e grandioso, uma
fantasia próxima do onírico.
Ainda nessa parte em preto e branco, que se passa no Kansas
antes de Oscar ir parar em Oz, a impressão é de que toda essa sequencia
é uma homenagem ao cinema de Hollywood dos anos 1930 e 1940. A trilha sonora, a
interpretação dos atores, seus diálogos, o cenário falso, tudo remete à Era de Ouro do cinema norte-americano, não só ao filme de 1939. É compreensível ouvir
na plateia alguns resmungos, já que me parece perdido o certo grau de inocência
do público antigo. A famosa “suspensão da realidade ou descrença” parece
sujeita à prática tecnológica atual e àqueles que não são amantes ou
conhecedores dos filmes antigos, um cenário que parece falso, numa sequencia em
preto e branco, com a tela pequena, interpretação exagerada dos personagens,
texto extremamente polido e beirando a falsidade, o filme já começa com certa
rejeição. Claro que os que adoram filmes antigos irão se apaixonar com esse
artifício do diretor.
Essa pseudo-artificialidade do cenário e dos
quadro-sequencias perdura mesmo quando Oscar já está em Oz, num mundo colorido
e em tela panorâmica. Mas desta vez, sutilmente, em horas que fica impreciso se
o cenário foi construído num computador ou fisicamente, em madeira pintada.
Detalhe para o momento em que Glinda faz subir uma névoa que cobre toda a
floresta: você não sabe se aquilo é computação gráfica ou gelo seco, devido a
textura quase de algodão da fumaça. Há sequencias em que os personagens se
movem e você não sabe se eles estão se movendo mesmo ou se estão usando
mecanismos como nos filmes antigos, em que os atores não saiam do lugar, mas
sim o cenário. Essas nuances, pequenas homenagens, deixadas por Sam Raimi,
amante de ângulos criativos de câmera e que vivia descobrindo novas formas de realizar
travelings e steadicams, enchem os olhos de quem estuda ou admira técnicas de
cinema. Tudo muito bem reproduzido pelo 3D.
Aliás, o 3D é muito bem utilizado no filme. Hollywood está passando,
a meu ver, por uma fase de transição muito importante. Com falta de roteiros
criativos, vem aproveitando tudo que pode com o que já foi feito, seja em
quadrinhos, livros ou remakes e sequencias/prelúdios de antigos sucessos. Abraçou
a técnica do 3D como salvação e motivo para os espectadores irem aos cinemas
para rever essas histórias já conhecidas. Porém, o cinema-norte americano
também tem percebido que o efeito "novidade" do 3D está passando, e que ele
precisa ser agregado à história de forma mais eficaz, se quiser ser mais que um
efeito de cinema de parque de diversões. Assim, como vi em O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, em Oz: Mágico e Poderoso a técnica de 3D está bem incorporada ao
filme e ajuda a contar a história de forma mais mágica. Acredito eu, que a
técnica foi mais bem utilizada aqui do que em A Invenção de Hugo Cabret (outro
filme que presta devidas homenagens aos cinema antigo, sobretudo ao
mágico/cineasta Georges Méliès).
Outra coisa que me chamou a atenção visualmente foram os
cenários de construções e os figurinos. A Cidade das Esmeralda não é só
igualzinha à do filme clássico (a cena em que Oscar visualiza a cidade é
praticamente a mesma em que Dorothy faz o mesmo), ela também tem uma
arquitetura (sobretudo o palácio) claramente inspirada na arte dos anos 30, que
permeava os cenários dos filmes de ficção e fantasia. O palácio e o figurino
das bruxas Evanora e Thodora é pura Art Déco (parece, ao menos) e toda a Cidade
das Esmeralda lembra filmes como Daqui a Cem Anos ou o clássico Metrópolis(1928). Nãos ei se como referência ao filme de Victor Fleming, ou talvez para
que ficasse mais crível que Oscar foi parar no mesmo mundo que Dorothy, já que
o filme clássico foi realizado no final da década de 30. Mas que ficou bonito e
charmoso ficou.
Os personagens de Oz: Mágico e Poderoso também são cheios de
referências e cercados de homenagens. A começar pelo protagonista, Oscar Diggs
(Oscar Zoroaster Phadrig Isaac Norman Henkel Emmannuel Ambroise Diggs, ou O.Z.P.I.N.H.E.A.D.,
se preferir), um mágico de araque do começo dos anos 1900. É um homem
bom, mas que de tanto dar golpes para conseguir o que quer acaba por se tornar
alguém com a moral duvidosa. Mas, como na mágica, não é o que parece ser. De
início, não gostei da escolha do James Franco para o papel, acho ele um
canastrão. Mas é isso que Oz realmente é, alguém que não convence ninguém, nem
mesmo fazendo mágicas, e só engana aqueles que são mais ingênuos. O Grande e
Poderoso Oz é um daqueles mágicos de vaudeville, que faz truques manjados num
circo itinerante, enquanto joga seu charme fuleiro em mulheres ingênuas. Fã das
genialidades de Harry Houdini e Thomas Edison, o mágico sonha em ser grande
como eles, mas não acredita de fato que pode fazê-lo. Prefere seguir sua
meia-vida fazendo truques que misturam uma dose de misticismo sugestivo com
traquitanas, para criar ilusões para um público despreparado, artifícios muitoem voga no final do século XIX. É essa ciência da ilusão que ajudará o mágico a
cumprir de forma tosca a profecia da Terra de Oz e assumir sua posição de rei e
consultor no palácio de esmeraldas. É a ciência ganhando da magia, fazendo as
bruxas superpoderosas correrem de medo diante de algo que elas não entendem. É
a representação de outra época de transição, o início do século XX, onde a ciência
era a maravilha das maravilhas, acompanhada do Futurismo industrial dos anos
1930. Porem, é também mais um fator que pesa contra o filme e causa certa rejeição,
porque para o púbico atual, mecanismos e artimanhas químicas e eletrônicas já
não são mais novidade. O que impera hoje é a pluralidade de novidades
eletrônicas que nem são novidades de verdade. Magia, então, só se for
extremamente fantasiosa, como Harry Portter e Senhor dos Anéis.
Isso não diminui a preciosidade que é a sequencia derradeira
do filme, o clímax, onde Oz constrói para seus futuros súditos um espetáculo
visual, com suas artimanhas mecânicas e uma versão 3D em grande escala de um
possível Praxinoscópio de Thomas Edison (detalhe: Edison não inventou o praxinoscópio).
Na verdade, um praxinoscópio de verdade aparece no começo do filme, quando
Annie aparece para informar que se casará com John Gale (sugerindo que talvez
ela seja a mãe de Dorothy). O que Oz pede para os Tinkers montarem parece mais
uma versão retro de um projetor óptico (mais parecido com o Vitascópio),
resultando numa versão Mágico de Oz do holograma do Tupac, algo muito próximo
das apresentações de fantasmagoria. O que vale aqui, acredito eu, é a homenagem
ao papel de Thomas Edison na história do cinema norte-americano.
Em sua jornada do herói, Oz encontra Theodora, a Bruxa Má do
Oeste, com interpretação surpreendente de Mila Kunis. Enganada pela irmã e
desiludida pelo mágico, Theodora tem seu coração despedaçado, motivo de ser a
única pessoa com maldade sem limites na Terra de Oz. A caracterização de Mila e
a semelhança com a bruxa interpretada por Margaret Hamilton no filme de 1939 é espetacular
(minha opinião). Essa característica de ter o coração despedaçado e se tornar
pura maldade também indica um fato de que falarei mais abaixo, sobre o motivo
pelo qual o filme não foi feito para o público atual.
Theodora tem como irmã a bruxa Evadora, interpretada por
Rachel Weisz (que já vi mais inspirada), a Bruxa Má do Leste, que tiraniza os
Munchkins e é esmagada pela casa de Dorothy no filme clássico. Evadora tinha tudo
para ser uma grande vilã no filme, mas assim como Oscar, acho que ela não
acredita em si mesmo o suficiente, e a irmã acaba tomando seu posto no decorrer
da história. Detalhe: na cena em que Theodora e Oz encontram Finley, lá esta o
Leão Covarde!
As duas bruxas tentam destruir Glinda, a Bruxa Boa do Sul (do Norte, no filme de 1939),
interpretada por Michelle Williams. Aqui, Sam Raimi faz outra homenagem ao
filme clássico, utilizando um recurso similar ao de Victor Fleming, fazendo
Michelle interpretar dois papéis, Annie e Glinda, deixando no ar se
elas são a mesma pessoa e tudo não passa de um sonho, assim como no filme
clássico os mesmos atores que interpretavam o povo da fazenda do Tio Gale no
Kansas, também interpretavam os personagens principais de Oz que Dorothy
encontrava pelo caminho. Glinda é a bondade em pessoa, mas não é ingênua, assim
como Annie, que espera peloo despertar de Oscar invés de aceitar seus defeitos sem
que ele tente ser uma pessoa melhor.
Como todo filme da Disney, estão em Oz: Mágico e Poderoso os
personagens cômicos, no papel do macaco alado Finley e da Boneca de Porcelana,
a meu ver, representações de duas figuras muito comuns ao começo do século XX. Detalhe: novamente o artifício
utilizado por Victor Fleming, a Boneca de Porcelana é interpretada pela garota
na cadeira de rodas que Oz não consegue ajudar. Em Oz, ele se redime, colando
as pernas da boneca, para que ela possa andar. Feliz, descobre que a Boneca tem
um desejo ainda maior, ter sua família de volta. Desejo esse que vai além do
que Oz pode realizar, mostrando talvez que existem milagres e existem coisas as
quais temos que aceitar. Talvez (apenas talvez, porque não tenho certeza), uma
citação à Teosofia, doutrina seguida pelo escritor L. Frank Baum, criador do
universo de Oz e cujos conceitos o autor já declarou que utilizou em
suas histórias. Não sei. Pergunto-me também se a estátua do pai de Glinda não é
de fato uma estátua de L. Frank Baum... Vamos esperar pelos blogs
conspiratórios ou pelo DVD com extras para saber...
Assim, entro no quesito final (se é que você já leu até
aqui): o roteiro, sua “mensagem” e seu final. Bom, o roteiro é previsível, bem
previsível. Mesmo que você não conheça a história do Mágico de Oz (sério?) e
que não tenha visto o filme de 1939 (não, de verdade, sério?), os elementos de
99% dos filmes norte-americanos e da Disney estão lá: toda a Jornada do Herói
de Vogler e Campbell, o romance, a mistura de aventura e humor, está tudo lá!
Porém, três coisas me chamaram a atenção. Primeiro, o uso mais sábio dos
recursos visuais para contar a história, ajudando a criar um universo
fantástico que você não tem duvidas que ele é irreal, mas mesmo assim
é fascinante. Diferente do que foi feito no Alice no País das Maravilhas.
Segundo, ainda citando o Alice de Tim Burton (e também da Disney), não houve
uma grande reviravolta na historia e nos personagens, para adaptar a Jornada do
Herói com adrenalina adicionada. Em Alice no Pais das Maravilhas, de LewisCarroll, não há Jornada do Herói, mas sim um devaneio surreal e de sonho. Nesse
ponto, a versão animada de 1951 obteve mais sucesso. Em Oz, de Sam Raimi, a
Jornada é diluída de forma suave e dentro do clima dos livros de L. Frank Baum,
chegando ao ponto de não ter um final explosivo e barulhento, com a morte do
vilão, ou algo do tipo, como costuma aparecer nos filmes de hoje. Aí vem o
terceiro ponto: Oz: Mágico e Poderoso é um filme cheio de lições de moral já
batidas e há muito fora de uso, cheio de certa ingenuidade que já não mais
permeia os filmes desde os anos 70. Esse pode ser o motivo, creio eu, pela possível rejeição ao
filme. O grande público atual não tem mais olhos e ouvidos para esse tipo de
história. Não acreditamos mais nessas lições de moral e não temos mais a
sensibilidade para gostar de um filme de 2013 que seja assim.
Minha impressão é que Oz: Mágico e Poderoso faz companhia a
A Invenção de Hugo Cabret e O Artista, como três filmes atuais que prestam
homenagem ao passado do cinema, quando ainda éramos ingênuos, ainda acreditávamos,
ainda não tínhamos conhecimento e informação exacerbados à nossa disposição o
tempo todo, sempre que precisamos provar que algo é mentira ou não existe, ou é
falso, ou é bom ou ruim. Comemos do fruto da arvore da Ciência do Bem e do Mal do cinema,
e já não conseguimos aceitar e gostar de um filme como Oz: Mágico e Poderoso, ao menos não com a mesma emotividade simplória de nossos avós ou de quando nós, pessoas com mais de 30 anos, éramos crianças. É
um filme que faria muito sucesso em 1950, e nem precisaria de tanta tecnologia
para tal. Mas hoje, o que ele consegue é encantar os poucos que são amantes do
cinema clássico. Para esse público, o filme é mágico, lindo. Para aqueles que
não gostam de filmes velhos, que vivem uma era de opiniões e moral instantânea,
na ponta dos dedos, na tela do celular, é um filme chato, longe de ser
poderoso. Não é um grande filme, mas tem sua beleza e importância, isso tem.
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Se você se interessou em saber mais sobre alguns aspectos
citado no texto acima, ou não sabia de nada do que estava falando, alguns itens
eu fiz questão de deixar como hiperlinks. Só clicar em cima e saber do que se
trata.
Se ainda não viu o filme, mas ainda quer ver, recomendo que
aprecie seguintes links antes de vê-lo:
- O Mágico de Oz (1939) - crítica interessante e filme dublado (dá pra ver online).
É isso! =)
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