quarta-feira, 27 de março de 2013

Oz: Mágico! Poderoso?



Bom, eu gosto de escrever muito, então o texto pode ficar um pouco longo. Assim, dividirei o texto em duas partes: nessa primeira parte, você terá um resumo do filme (sem spoilers) e o que eu achei dele, de uma forma geral; na segunda parte, mais extensa, vou falar um pouco mais sobre cada parte do filme (com spoilers). Então, tome um tempo, relaxe, e boa viagem!



Para quem ainda não viu...

Oz: Mágico e Poderoso é o novo filme da Disney dirigido pelo Sam Raimi (trilogia Homem-Aranha, Evil Dead, Darkman, Arraste-me Para o Inferno) e estrelado por James Franco (Homem-Aranha, 127 Horas), Rachel Weisz (A Múmia, Constantine), Mila Kunis (That ‘70s Show, Ted) e Michelle Williams (Sete Dias com Marilyn, Namorados Para Sempre), que conta a história de como o mágico Oscar Diggs foi parar na Terra de Oz, servindo de prelúdio para a famosa história O Mágico de Oz, principalmente para o filme clássico de 1939 (aquele, da Judy Garland cantando “Over the Rainbow” e que se você rodar com o disco Dark Side of the Moon do Pink Floyd, vai ficar sem dormir à noite). Oscar é um mágico meia boca, de um circo itinerante, que foge num balão e vai parar em Oz, onde acreditam que ele é o salvador do povo de Oz, conforme descrito numa profecia, e que deve enfrentar a bruxa má para se tornar rei de Oz.
Oscar acha que está sendo esperto em aceitar o papel de mágico salvador, mas aos poucos as coisas vão se complicando e ele terá que acreditar em si mesmo e resgatar a bondade que tem no coração, para conseguir cumprir a profecia.  E para contar essa história, o diretor do filme encheu a tela com um visual exuberante e colorido, aproveitando muito bem o 3D, já regra em filmes de fantasia atuais. Um filme divertido e bonito de se ver.

Gostei muito do filme, apesar de algumas falhas (leia-se James Franco). O filme tenta trazer de volta o espírito ingênuo que os filmes antigos tinham. Inclusive, acredito que Oz: Mágico e Poderoso pode ser entendido como uma homenagem ao cinema hollywoodiano clássico, na mesma linha de Hugo Cabret. É um filme leve e gostoso de assistir, mas apesar da história infantil, não acredito que seja para todos os públicos, como as demais produções da Disney. Se você é amante do cinema, principalmente do cinema norte-americano dos anos 30, 40 e 50, seu encanto com o filme será maior do que àqueles acostumados à franquia Piratas do Caribe.



É Mágico! Mas... poderoso?          

O que mais encanta ao assistir ao filme Oz: Mágico e Poderoso é o seu visual e suas nuances, suas referências. Se alguém deveria ser premiado nesse filme, com certeza deveria ser o pessoal de Direção de Arte, Fotografia e Figurino. Além do mais, quem gosta de cinema, sobretudo do filme clássico O Mágico de Oz de 1939, dirigido por Victor Fleming e estrelado por Judy Garland, vai se encantar com várias partes do filme.

O filme começa com uma abertura em preto e branco, no estilo diorama e Teatro de Papel, numa possível homenagem aos filmes de Georges Méliès – que por sinal também era mágico antes de se tornar cineasta, numa alusão ao que Oscar vem a fazer no final do filme, misturando a mágica com o cinema. Uma abertura de muito com gosto...

A abertura é em preto e branco, bem como a primeira parte do filme, visualizada em proporção 1,33:1 (ou a famosa 4:3), o formato de tela antigo, meio quadrado. Daí, para quem já assistiu O Mágico de Oz de 1939, já entende o que se espera. No filme clássico, também no formato 4:3, o início é preto e branco e, quando Dorothy chega à Terra de Oz, o filme fica colorido. Em Oz: Mágico e Poderoso, Sam Raimi tenta reproduzir a mágica de Victor Fleming, iniciando o filme em preto e branco e, quando Oscar chega à Oz, a tela fica colorida, muito colorida. Já vi críticas a isso, uma vez que Victor Fleming utilizou essa técnica na forma de impressionar o público com a novidade do cinema em cores e no filme de Sam Raimi não passaria de um efeito de edição, nada mais. Porém, o fato do filme começar em 4:3 e, quando se torna colorido, passar gradativamente para o formato panorâmico atual (7:3) – fora alguns fatores dos quais falarei mais abaixo – já é uma dica que a ideia aqui foi fazer uma homenagem ao filme clássico (e ao cinema de forma geral), só reforçando a ideia tão esquecida de que ao ir ao cinema, saímos da realidade cinzenta e quadrada para imergir num universo colorido e grandioso, uma fantasia próxima do onírico.

Ainda nessa parte em preto e branco, que se passa no Kansas antes de Oscar ir parar em Oz, a impressão é de que toda essa sequencia é uma homenagem ao cinema de Hollywood dos anos 1930 e 1940. A trilha sonora, a interpretação dos atores, seus diálogos, o cenário falso, tudo remete à Era de Ouro do cinema norte-americano, não só ao filme de 1939. É compreensível ouvir na plateia alguns resmungos, já que me parece perdido o certo grau de inocência do público antigo. A famosa “suspensão da realidade ou descrença” parece sujeita à prática tecnológica atual e àqueles que não são amantes ou conhecedores dos filmes antigos, um cenário que parece falso, numa sequencia em preto e branco, com a tela pequena, interpretação exagerada dos personagens, texto extremamente polido e beirando a falsidade, o filme já começa com certa rejeição. Claro que os que adoram filmes antigos irão se apaixonar com esse artifício do diretor.

Essa pseudo-artificialidade do cenário e dos quadro-sequencias perdura mesmo quando Oscar já está em Oz, num mundo colorido e em tela panorâmica. Mas desta vez, sutilmente, em horas que fica impreciso se o cenário foi construído num computador ou fisicamente, em madeira pintada. Detalhe para o momento em que Glinda faz subir uma névoa que cobre toda a floresta: você não sabe se aquilo é computação gráfica ou gelo seco, devido a textura quase de algodão da fumaça. Há sequencias em que os personagens se movem e você não sabe se eles estão se movendo mesmo ou se estão usando mecanismos como nos filmes antigos, em que os atores não saiam do lugar, mas sim o cenário. Essas nuances, pequenas homenagens, deixadas por Sam Raimi, amante de ângulos criativos de câmera e que vivia descobrindo novas formas de realizar travelings e steadicams, enchem os olhos de quem estuda ou admira técnicas de cinema. Tudo muito bem reproduzido pelo 3D.

Aliás, o 3D é muito bem utilizado no filme. Hollywood está passando, a meu ver, por uma fase de transição muito importante. Com falta de roteiros criativos, vem aproveitando tudo que pode com o que já foi feito, seja em quadrinhos, livros ou remakes e sequencias/prelúdios de antigos sucessos. Abraçou a técnica do 3D como salvação e motivo para os espectadores irem aos cinemas para rever essas histórias já conhecidas. Porém, o cinema-norte americano também tem percebido que o efeito "novidade" do 3D está passando, e que ele precisa ser agregado à história de forma mais eficaz, se quiser ser mais que um efeito de cinema de parque de diversões. Assim, como vi em O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, em Oz: Mágico e Poderoso a técnica de 3D está bem incorporada ao filme e ajuda a contar a história de forma mais mágica. Acredito eu, que a técnica foi mais bem utilizada aqui do que em A Invenção de Hugo Cabret (outro filme que presta devidas homenagens aos cinema antigo, sobretudo ao mágico/cineasta Georges Méliès).

Outra coisa que me chamou a atenção visualmente foram os cenários de construções e os figurinos. A Cidade das Esmeralda não é só igualzinha à do filme clássico (a cena em que Oscar visualiza a cidade é praticamente a mesma em que Dorothy faz o mesmo), ela também tem uma arquitetura (sobretudo o palácio) claramente inspirada na arte dos anos 30, que permeava os cenários dos filmes de ficção e fantasia. O palácio e o figurino das bruxas Evanora e Thodora é pura Art Déco (parece, ao menos) e toda a Cidade das Esmeralda lembra filmes como Daqui a Cem Anos ou o clássico Metrópolis(1928). Nãos ei se como referência ao filme de Victor Fleming, ou talvez para que ficasse mais crível que Oscar foi parar no mesmo mundo que Dorothy, já que o filme clássico foi realizado no final da década de 30. Mas que ficou bonito e charmoso ficou. 

Os personagens de Oz: Mágico e Poderoso também são cheios de referências e cercados de homenagens. A começar pelo protagonista, Oscar Diggs (Oscar Zoroaster Phadrig Isaac Norman Henkel Emmannuel Ambroise Diggs, ou O.Z.P.I.N.H.E.A.D., se preferir), um mágico de araque do começo dos anos 1900. É um homem bom, mas que de tanto dar golpes para conseguir o que quer acaba por se tornar alguém com a moral duvidosa. Mas, como na mágica, não é o que parece ser. De início, não gostei da escolha do James Franco para o papel, acho ele um canastrão. Mas é isso que Oz realmente é, alguém que não convence ninguém, nem mesmo fazendo mágicas, e só engana aqueles que são mais ingênuos. O Grande e Poderoso Oz é um daqueles mágicos de vaudeville, que faz truques manjados num circo itinerante, enquanto joga seu charme fuleiro em mulheres ingênuas. Fã das genialidades de Harry Houdini e Thomas Edison, o mágico sonha em ser grande como eles, mas não acredita de fato que pode fazê-lo. Prefere seguir sua meia-vida fazendo truques que misturam uma dose de misticismo sugestivo com traquitanas, para criar ilusões para um público despreparado, artifícios muitoem voga no final do século XIX. É essa ciência da ilusão que ajudará o mágico a cumprir de forma tosca a profecia da Terra de Oz e assumir sua posição de rei e consultor no palácio de esmeraldas. É a ciência ganhando da magia, fazendo as bruxas superpoderosas correrem de medo diante de algo que elas não entendem. É a representação de outra época de transição, o início do século XX, onde a ciência era a maravilha das maravilhas, acompanhada do Futurismo industrial dos anos 1930. Porem, é também mais um fator que pesa contra o filme e causa certa rejeição, porque para o púbico atual, mecanismos e artimanhas químicas e eletrônicas já não são mais novidade. O que impera hoje é a pluralidade de novidades eletrônicas que nem são novidades de verdade. Magia, então, só se for extremamente fantasiosa, como Harry Portter e Senhor dos Anéis.

Isso não diminui a preciosidade que é a sequencia derradeira do filme, o clímax, onde Oz constrói para seus futuros súditos um espetáculo visual, com suas artimanhas mecânicas e uma versão 3D em grande escala de um possível Praxinoscópio de Thomas Edison (detalhe: Edison não inventou o praxinoscópio). Na verdade, um praxinoscópio de verdade aparece no começo do filme, quando Annie aparece para informar que se casará com John Gale (sugerindo que talvez ela seja a mãe de Dorothy). O que Oz pede para os Tinkers montarem parece mais uma versão retro de um projetor óptico (mais parecido com o Vitascópio), resultando numa versão Mágico de Oz do holograma do Tupac, algo muito próximo das apresentações de fantasmagoria. O que vale aqui, acredito eu, é a homenagem ao papel de Thomas Edison na história do cinema norte-americano.

Em sua jornada do herói, Oz encontra Theodora, a Bruxa Má do Oeste, com interpretação surpreendente de Mila Kunis. Enganada pela irmã e desiludida pelo mágico, Theodora tem seu coração despedaçado, motivo de ser a única pessoa com maldade sem limites na Terra de Oz. A caracterização de Mila e a semelhança com a bruxa interpretada por Margaret Hamilton no filme de 1939 é espetacular (minha opinião). Essa característica de ter o coração despedaçado e se tornar pura maldade também indica um fato de que falarei mais abaixo, sobre o motivo pelo qual o filme não foi feito para o público atual.


Theodora tem como irmã a bruxa Evadora, interpretada por Rachel Weisz (que já vi mais inspirada), a Bruxa Má do Leste, que tiraniza os Munchkins e é esmagada pela casa de Dorothy no filme clássico. Evadora tinha tudo para ser uma grande vilã no filme, mas assim como Oscar, acho que ela não acredita em si mesmo o suficiente, e a irmã acaba tomando seu posto no decorrer da história. Detalhe: na cena em que Theodora e Oz encontram Finley, lá esta o Leão Covarde!

As duas bruxas tentam destruir Glinda, a Bruxa Boa do Sul (do Norte, no filme de 1939), interpretada por Michelle Williams. Aqui, Sam Raimi faz outra homenagem ao filme clássico, utilizando um recurso similar ao de Victor Fleming, fazendo Michelle interpretar dois papéis, Annie e Glinda, deixando no ar se elas são a mesma pessoa e tudo não passa de um sonho, assim como no filme clássico os mesmos atores que interpretavam o povo da fazenda do Tio Gale no Kansas, também interpretavam os personagens principais de Oz que Dorothy encontrava pelo caminho. Glinda é a bondade em pessoa, mas não é ingênua, assim como Annie, que espera peloo despertar de Oscar invés de aceitar seus defeitos sem que ele tente ser uma pessoa melhor.

Como todo filme da Disney, estão em Oz: Mágico e Poderoso os personagens cômicos, no papel do macaco alado Finley e da Boneca de Porcelana, a meu ver, representações de duas figuras muito comuns ao começo do século XX. Detalhe: novamente o artifício utilizado por Victor Fleming, a Boneca de Porcelana é interpretada pela garota na cadeira de rodas que Oz não consegue ajudar. Em Oz, ele se redime, colando as pernas da boneca, para que ela possa andar. Feliz, descobre que a Boneca tem um desejo ainda maior, ter sua família de volta. Desejo esse que vai além do que Oz pode realizar, mostrando talvez que existem milagres e existem coisas as quais temos que aceitar. Talvez (apenas talvez, porque não tenho certeza), uma citação à Teosofia, doutrina seguida pelo escritor L. Frank Baum, criador do universo de Oz e cujos conceitos o autor já declarou que utilizou em suas histórias. Não sei. Pergunto-me também se a estátua do pai de Glinda não é de fato uma estátua de L. Frank Baum... Vamos esperar pelos blogs conspiratórios ou pelo DVD com extras para saber...

Assim, entro no quesito final (se é que você já leu até aqui): o roteiro, sua “mensagem” e seu final. Bom, o roteiro é previsível, bem previsível. Mesmo que você não conheça a história do Mágico de Oz (sério?) e que não tenha visto o filme de 1939 (não, de verdade, sério?), os elementos de 99% dos filmes norte-americanos e da Disney estão lá: toda a Jornada do Herói de Vogler e Campbell, o romance, a mistura de aventura e humor, está tudo lá! Porém, três coisas me chamaram a atenção. Primeiro, o uso mais sábio dos recursos visuais para contar a história, ajudando a criar um universo fantástico que você não tem duvidas que ele é irreal, mas mesmo assim é fascinante. Diferente do que foi feito no Alice no País das Maravilhas. Segundo, ainda citando o Alice de Tim Burton (e também da Disney), não houve uma grande reviravolta na historia e nos personagens, para adaptar a Jornada do Herói com adrenalina adicionada. Em Alice no Pais das Maravilhas, de LewisCarroll, não há Jornada do Herói, mas sim um devaneio surreal e de sonho. Nesse ponto, a versão animada de 1951 obteve mais sucesso. Em Oz, de Sam Raimi, a Jornada é diluída de forma suave e dentro do clima dos livros de L. Frank Baum, chegando ao ponto de não ter um final explosivo e barulhento, com a morte do vilão, ou algo do tipo, como costuma aparecer nos filmes de hoje. Aí vem o terceiro ponto: Oz: Mágico e Poderoso é um filme cheio de lições de moral já batidas e há muito fora de uso, cheio de certa ingenuidade que já não mais permeia os filmes desde os anos 70. Esse pode ser o motivo, creio eu, pela possível rejeição ao filme. O grande público atual não tem mais olhos e ouvidos para esse tipo de história. Não acreditamos mais nessas lições de moral e não temos mais a sensibilidade para gostar de um filme de 2013 que seja assim.

Minha impressão é que Oz: Mágico e Poderoso faz companhia a A Invenção de Hugo Cabret e O Artista, como três filmes atuais que prestam homenagem ao passado do cinema, quando ainda éramos ingênuos, ainda acreditávamos, ainda não tínhamos conhecimento e informação exacerbados à nossa disposição o tempo todo, sempre que precisamos provar que algo é mentira ou não existe, ou é falso, ou é bom ou ruim. Comemos do fruto da arvore da Ciência do Bem e do Mal do cinema, e já não conseguimos aceitar e gostar de um filme como Oz: Mágico e Poderoso, ao menos não com a mesma emotividade simplória de nossos avós ou de quando nós, pessoas com mais de 30 anos, éramos crianças. É um filme que faria muito sucesso em 1950, e nem precisaria de tanta tecnologia para tal. Mas hoje, o que ele consegue é encantar os poucos que são amantes do cinema clássico. Para esse público, o filme é mágico, lindo. Para aqueles que não gostam de filmes velhos, que vivem uma era de opiniões e moral instantânea, na ponta dos dedos, na tela do celular, é um filme chato, longe de ser poderoso. Não é um grande filme, mas tem sua beleza e importância, isso tem.



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Se você se interessou em saber mais sobre alguns aspectos citado no texto acima, ou não sabia de nada do que estava falando, alguns itens eu fiz questão de deixar como hiperlinks. Só clicar em cima e saber do que se trata.

Se ainda não viu o filme, mas ainda quer ver, recomendo que aprecie seguintes links antes de vê-lo:
- O Mágico de Oz (1939) - crítica interessante e filme dublado (dá pra ver online).

É isso! =)

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