Para quem está em São Paulo, esta é a última semana para ver a exposição sobre Stanley Kubrick no MIS (Museu da Imagem e do Som, com alguns elementos de cena dos filmes e muitos documentos de produção, roteiros e material de pesquisa do cineasta. Lá estão a fantasia de homem-macaco de 2001, o HAL-9000, os vestidos das gêmeas de O Iluminado, bem como o machado utilizado por Jack Nicholson no filme (que aliás, é um dos melhores ambientes da exposição, seguido do ambiente de 2001). Até estenderam o horário da exposição, para você brasileiro fã de cinema, que deixou pra última hora! Maiores informações aqui.
Confesso
que conhecia pouco o trabalho do diretor, só tinha visto seus últimos e mais
famosos filmes e era um daqueles que não conseguia chegar ao final de 2001.
Mas, para ir à exposição, me dispus a rever os filmes e ver os outros que não
conhecia e acabei deparando com a genialidade desse cineasta tão cultuado
quanto incompreendido. Talvez antes não
estivesse bem preparado para absorver suas obras e por isso não tinha dado a
devida importância aos seus filmes. Porém desta vez, assistir a cada filme foi
como ter aulas de cinema com um mestre, que optou pela total independência
invés de se sujeitar à grana de Hollywood ou seguir modismos cinematográficos da
turma do “odeio blockbusters”.
Nascido
em Nova York, Stanley Kubrick se apaixonou cedo pelo cinema e pela fotografia. Depois
de trabalhar como fotógrafo para a revista Look, com ajuda da família fez seu
primeiro longa, Medo e Desejo, em 1953. Daí em diante, foi um caminho de
ascensão até ser chamado por Kirk Douglas para substituir o diretor do épico hollywoodiano
Spartacus. Então, num momento com o qual muitos diretores brasileiros sonham e
diriam “agora vou fazer quantos filmes eu puder em Hollywood”, Kubrick toma o
caminho oposto: muda-se para a Inglaterra e passa a produzir seus filmes, para
fazê-los do seu jeito. Veio Lolita e todos os seus filmes subsequentes, que o
fizeram famoso pela obsessão pelo perfeccionismo, ótima direção de atores e
temas extremamente controversos, com filmes que muita gente quebra a cabeça até
hoje para entender. Faleceu em 1999, logo depois de finalizar seu último filme,
De Olhos Bem Fechados, na casa onde vivia praticamente recluso.
Bem,
eu assisti a todos os longas-metragens do Kubrick (ainda verei os curtas) e irei
compartilhar aqui meus comentários sobre cada um deles. Alguns são bem famosos
e é fácil encontrar centenas de reviews e interpretações pelo universo Google.
Tentarei ser breve e me manter aos pontos que acho que realmente importam.
Medo e Desejo (Fear and Desire, 1953)
O
único filme ruim de Kubrick. Encontrei por aí alguma críticas falando bem dele,
mas para mim é balela de gente que não sabe separar o culto ao cineasta de sua
obra. É compreensível porque o diretor renegou o filme por anos. O filme possui
alguns traços de amadorismo que se vê em qualquer filme de estudante iniciante
de cinema ou audiovisual. A começar pela história: 4 soldados de patentes
diferentes, em uma guerra imaginária, tentam voltar à sua base depois de
hipoteticamente sobreviverem a um acidente aéreo em território inimigo. No
caminho, planejam invadir uma base inimiga para fugir no avião deles, mas são
descobertos por uma garota e a fazem de refém. Passam o filme discutindo, com
questões morais óbvias incutidas em seus diálogos e um deles vai enlouquecendo.
Vale a pena ver por curiosidade, principalmente quanto à fotografia e ângulos
curiosos de câmera do jovem diretor.
Detalhe:
esse é o único filme que Kubrick não pôs a mão no roteiro.
A Morte Passou Por Perto (Killer’s Kiss, 1954)
Boxeador
em fim de carreira apaixona-se pela sua vizinha, uma dançarina de salão. Ela
sofre várias investidas de seu patrão, um possível mafioso que tenta matar o
boxeador para tirá-lo do caminho. Tudo dá errado quando quem acaba assassinado
por engano é o agente do boxeador. Narrado pelo protagonista, o filme é todo em
flashback e é uma boa diversão de filme policial, para quem gosta de filmes do
gênero dos anos 1950. A mão do diretor está na fotografia e luz sensacional que
os filmes noir sempre tem, e que Kubrick manipula com maestria. Além disso, há
detalhes no filme que levarão você, cinéfilo, a pensar “acho que já não vi isso
em algum lugar”. A abertura lembra OPagamento Final (1993), com o protagonista à espera da dançarina na estação
de trem e pelo menos duas sequências lembram O Poderoso Chefão (1972): a escada do local onde a dançarina
trabalha e toda a sequencia da morte de Albert, o agente do boxeador.
Detalhe:
é o único filme com roteiro original de Kubrick, escrito junto com Howard
Sackler, o roteirista de seu filme anterior. A partir de seu próximo filme,
todos os filmes de Kubrick serão baseados em obras literárias.
O Grande Golpe (The Killing,
1956)
Você
já viu isso antes: bandido reúne um grupo para realizar um grande roubo (neste
caso, em um hipódromo), mas nem tudo dá certo como havia sido planejado. Não,
não é Cães de Aluguel (1992) (até o
mexican standoff derradeiro está aqui), mas duvido não se lembrar do filme
quando assistir O Grande Golpe. Narrativa fora de ordem, com flashbacks,
bandidos caricatos, longas conversas sobre problemas pessoais com diálogos
ímpares, que com certeza Tarantino tirou daqui, como bom copiador que ele é.
Além da luz, o filme tem ângulos e movimentos de câmera sensacionais (inclusive
o travelling lateral tão utilizado por Kubrick) e é perceptível o processo de amadurecimento
do diretor: em seu primeiro filme ele é amador, no segundo ainda há alguns
elementos de amadorismo, mas aqui não. Neste filme Kubrick já é um diretor
profissional como qualquer outro, ao ponto de mandar o diretor de fotografia
montar o trilho da câmera onde ele pediu ou ir para casa e não voltar mais
(começando assim a histórica “chatice” de Kubrick no set de filmagem).
Detalhe:
muitos filmes de Kubrick tem alguma referência aos seus filmes anteriores.
Repare na máscara utilizada por Clay para efetuar o assalto ao hipódromo, você
verá uma similar em Laranja Mecânica.
Glória Feita de Sangue (Paths of Glory, 1957)
Para
mim, é neste filme que Kubrick atinge seu amadurecimento total e realiza um
“filme de Stanley Kubrick” como os outros que virão. O filme é perfeito (se
você assisti-lo levando em consideração que ele foi realizado em 1957),
retratando a história de um coronel que é obrigado por um general francês a
mandar suas tropas invadirem o campo inimigo durante a Primeira Guerra, mesmo
sabendo que a morte de quase todos é certa. Metade do pelotão não avança e,
como punição, o general põe a julgamento três soldados, acusando-os de covardia
e condenando-os à morte. É um filme antibelicista, no estilo “na guerra os
pobres se ferram, enquanto os ricos generais ficam com a glória”, mas que
cumpre seu papel sem precisar recorrer a lições de moral. Kubrick parece contar
a história e deixar que você chegue às suas próprias conclusões, de maneira
similar ao que faria em Nascido Para Matar (1987). É interessante como as
pessoas parecem pessoas reais, não personagens caricatos tão comuns em filmes
antigos de guerra. Como já li em algum lugar, é um ótimo filme de guerra,
porque deixa o espectador com raiva dela.
Detalhe
para 5 momentos do filme que me chamaram a atenção: os travellings e steadicams
nas trincheiras, claustrofóbicos e geniais; a sequencia da tomada do
Formigueiro, muito bem feita e coreografada para a época e que me lembrou a
abertura de O Resgate do Soldado Ryan (1998);
a opulência do castelo onde ficam os generais, enquanto os solados se espremem
nas trincheiras, culminando na imagem opressiva e kafkiana do julgamento, com
os soldados cercados por uma sala enorme e opressiva; a execução dos soldados,
naquele momento em que você pensa “ok, estou assistindo a um filme de 1957,
alguma coisa acontecerá e eles serão salvos”, mas aí você se lembra de que é um
filme do Kubrick; o epílogo do filme, numa cena meio famosa da prisioneira
alemã (interpretada pela mulher do diretor) cantando e os soldados se comovendo
e cantarolando a melodia da música em solidariedade, mesmo que não saibam
alemão, numa clara mensagem do tipo “esse filme é universal e sua mensagem é a
mesma para qualquer povo”.
Spartacus (1960)
Esse
foi o filme mais penoso para eu assistir. É demasiadamente longo e lento, como
a maioria dos épicos da época. Em pleno Império Romano, o escravo Spartacus
lidera uma rebelião de todos os escravos de Roma, enquanto constrói um relacionamento
amoroso com Varínia, outra escrava rebelada. Muita semelhança com Gladiador(2000) não é mera coincidência. Kubrick fez esse filme dentro do esquema de
estúdios de Hollywood da época (não mudou muita coisa para hoje), após ser
chamado por Kirk Douglas, que despediu o diretor anterior e, mesmo reescrevendo
grande parte do roteiro e incluindo cenas de batalha, ainda assim teve uma
criação artística limitada pelo esquema de produção. É fácil perceber que o
filme é uma metáfora sobre os norte-americanos se libertarem da escravidão europeia
e todos os estereótipos de “pobre do bem” e “rico do mal” estão lá. É um grande
filme, mas não é um Kubrick legítimo.
Detalhe
para a rivalidade (e toda a simbologia que você puder pensar) da virilidade heterossexual
de Spartacus contra as tendências homossexuais de Crassus, que é fraco e
invejoso. Lembre-se que é um filme hollywoodiano de 1960.
Lolita (1962)
Polêmico
na época em que foi feito, hoje parece um filme bob, se você assistir esperando
por um Emmanuelle (1974) misturado
com Anita e Engraçadinha! A magia desse filme, como na época, não está em
mostrar a relação sexual de uma adolescente com professor de meia idade, que
passa um tempo hospedado na casa de Lolita e se apaixona pela garota. A beleza
do filme está em como tudo é subentendido, sem necessidade de ser explícito e
como as pessoas se comportam durante o filme. O tiozão Hilbert, interpretado
muito bem por James Manson, vai enlouquecendo a medida que sua paixão por
Lolita aumenta, chegando ao ponto de casar-se com a mãe dela para ficar perto
da garota e, quando a mãe morre, não demonstra o mínimo de remorso e parte para
um possível final de semana romântico com a adolescente. Ambos começam a viver
com seu relacionamento escondido e é aí que Lolita passa a ser a manipuladora,
fazendo seu padrasto de bobo até larga-lo. Mais do que uma história de “tio daSukita”, o filme é uma crítica feroz aos americanos e seu famoso falso
moralismo. O primeiro filme de uma nova fase de Kubrick em que ele produz seus
próprios filmes e tem liberdade criativa, o que o cineasta faz com maestria, em
sua primeira crítica real à hipocrisia da sociedade em que vivemos. Você pode
até achar que o filme é datado, mas ao assistir, compare Lolita com as
adolescentes de hoje e repare nos mecanismos sociais dos demais personagens.
Tudo extremamente atual!
Detalhe:
claro que Peter Sellers rouba a cena, com sua interpretação de um personagem
que, para mim, é uma sátira ao “povo de Hollywood” e à empáfia dos escritores e
produtores do star system. Minhas cenas preferidas de Sellers são o momento em
que ele dança com sua musa “Morticia Adams” e seu intenso quase monólogo sobre
“pessoas normais”. Sensacional!
Dr. Fantástico (Dr. Strangelove
or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, 1964)
Esse
é um daqueles clássicos (como outros que seguirão abaixo) que falar sobre ele é
chover no molhado. Muito já foi dito e está cheio de críticas e resenhas dele
por aí. A história de um militar que enlouquece e inicia o protocolo para que
aviões norte-americanos ataquem os russos com uma bomba nuclear é pretexto para
sequencias hilariantes, numa crítica ácida não só sobre o medo de o mundo
explodir, tão comum nos tempos de Guerra Fria, mas também sobre a possibilidade
do destino do planeta estar nas mãos de gente tão mané quanto aquele seu amigo
fã de Jackass. A maravilha do filme não está na crítica antibelicista, mas sim
nas interpretações e alguns “momentos” do filme. A cena mais famosa é do Major
Kong cavalgando a bomba atômica, copiada e parodiada muitas vezes, mas não é a
sequencia mais engraçada. Melhores, são as cenas do presidente dos EUA falando
ao telefone com o presidente russo, o militar Mandrake (Peter Sellers) tentando
fazer uma ligação a cobrar para o presidente, enquanto pede para um militar
atirar numa máquina de Coca-Cola para pegar moedas (aliás, a fala do militar dá
a entender que a Coca-Cola é mais importante que o governo!) e a clássica cena
do Dr. Fantástico (Sellers, de novo) brigando com o próprio braço com impulsos
nazistas.
Detalhe
para duas coisas: a estreia de James Earl Jones (a voz de Darth Vader), como
parte da tripulação do Major Kong e o enorme cenário da Sala de Guerra e seu
piso tão brilhante que a equipe de filmagem tinha que utilizar chinelos de
feltro para andar pelo set.
2001 – Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968)
O
melhor de todos os filmes de Kubrick. Tão genial que tantas interpretações que
tem por ai não fazem jus à mensagem que provavelmente somente Kubrick e Arthur
C. Clarke (que colaborou no roteiro) sabiam o verdadeiro significado do filme.
Revolucionário em seus efeitos especiais copiados nos primeiros Star Wars, o filme é único e, apesar do
seu ritmo lento (proposital, eu acho), ainda hoje é um soco no cérebro. A
história é “simples”: o mesmo monólito preto alienígena que pode ter sido o
responsável pelo pulo evolucionário do homem-macaco para o homem atual é encontrado
na Lua por uma equipe espacial e uma outra equipe é enviada a Júpiter, para um
possível contato extraterrestre. Porém, o computador da nave HAL-9000
enlouquece e tenta matar os tripulantes. O único sobrevivente “desliga” o
computador e chega a Júpiter, onde
atravessa um portal estrelar e vai parar num misterioso quarto alienígena. O
filme tem uma linha narrativa aparentemente sem nexo, mas aparentemente comum,
apesar de uma beleza cinematográfica impressionante, com uma parte inicial com
os primatas, seguido da parte em que os astronautas vão à Lua para investigar o
monólito e a terceira parte, com a tripulação da Discovery tentando sobreviver
à aparente loucura do computador HAL-9000. A parte que dá nó no cérebro é o
final, com a passagem o portal em Júpiter e o quarto misterioso, antes do
astronauta sobrevivente virar um “bebê estrelar”. Tudo isso é feito com uma
harmonia entre imagem e música clássica, além dos efeitos que a geração CGI vai
quebrar a cabeça pensando “como esse cara fez isso sem um computador?”. Um dia
falarei melhor desse filme, que não é um filme fácil de assistir e menos ainda
de digerir mentalmente, mas é o meu preferido de Stanley Kubrick.
Detalhes
a serem reparados no filme: a cena em que HAL-9000 é desativado e “sente sua
memória esvair” e começa, num ato semelhante a quem sofre de Alzheimer, a
cantar “Daisy, Daisy”. Além de dramaticamente sensacional, é uma referencia
direta à primeira música cantada por um computador. Teoria maluca: eu acho (só
acho) que David Lynch era fã de Kubrick e faz várias referências às obras do
cineasta. Assim, o quarto misterioso de 2001 pode ser uma inspiração direta
para o Black Lodge de Twin Peaks. Falarei mais sobre isso outro dia, hehe.
Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971)
O
clássico hipster dos clássicos hipsters, o filme mais pop de Kubrick, amado e
reverenciado por jovens que não gostam de filmes comerciais e são “apaixonados”
pelos filmes do diretor! (¬¬) Num futuro próximo (eu chuto 2015, por aí), um
jovem delinquente barbariza as ruas de Londres com sua gang, até ser preso por
assassinato. Nem um pouco a fim de passar a vida na cadeia, se sujeita a um
tratamento experimental, que pretende inibir os impulsos sexuais e violentos.
Tudo dá errado, o jovem Alex paga pelos seus pecados e o mesmo governo que condenou
o jovem o salva, depois de um momento de desespero do jovem. O filme foi e
ainda é polêmico e deveria ser visto mais por profissionais de grandes mídias,
autoridades governamentais e intelectuais de esquerda do que por hipsters. Quem
assisti-lo hoje pode acha-lo datado, ultrapassado, um retrato falso do
futuro... Porém para mim ele ainda continua atual e pode ser facilmente
comparado com o governo, a mídia e os intelectuais de hoje. E os jovens, bem,
deixo pra você refletir porque a juventude “rebelde” atual adora o filme...
Detalhe:
cheio de cenas e objetos clássicos, o filme, se fosse feito hoje, renderia
muito dinheiro extra com marketing... Maquiagem, figurino, objetos de cena,
tudo é cultuado e “vendável”! Como todo filme pop adolescente, é cheio de “ícones”!
Lembra das referências a outros filmes de Kubrick? Além, da máscara de um dos
integrantes da gangue de Alex parecer a máscara de O Grande Golpe, repare na
cena da loja de discos, onde há um disco da trilha de 2001 à venda. Outras duas
coisas: adoro a forma como o filme retrata e trabalha o sexo e minha cena
preferida do filme é a invasão da casa do escritor e o seu espancamento ao som
de Singin' in the Rain, seguido do
estupro de sua esposa.
Barry Lyndon (1975)
O
que dizer? Um filme subestimado, tão bom quanto 2001 ou O Iluminado. Um dos
meus preferidos! A jornada de Redmond Barry, de irlandês bobão a lorde inglês
pilantra e sua queda é retratada por Kubrick em cenas que mais parecem quadros
dos séculos XVIII e XIX em movimento. As famosas cenas filmadas à luz de velas
são apenas uma parte das composições que parecem mais quadros que filme, graças
também ao figurino original (invés de réplicas) e o uso de uma lente especial
para câmeras estáticas (de foto, não de filme), que faz o filme perder a
profundidade (que o cineasta dominava tão bem), dando o ar de pintura que o
filme tem. Uma lição de cinema... Muitos dirão que é chato, porque é lento,
muito lento... Mas a história se passa no século XVIII e tudo era mais lendo e
na verdade acho bom o ritmo do filme, que é formado por vários “momentos” da
vida do protagonista.
Detalhe:
em uma cena logo após Redmond se casar com lady Lyndon, eles estão em uma carruagem,
ela com uma roupa com uma enorme pele de animal em volta do pescoço. Me lembrou
muito uma cena de Rachel em Blade Runner(1982). E as duas personagens são parecidas, não só fisicamente, mas também
por estarem desesperadas por amor e se apaixonarem pelo tipo “brutamontes sem
modos”. Minhas duas cenas preferidas são as dos duelos, no começo e no final do
filme. Humor kubrickiano, hehe.
O Iluminado (The Shining, 1980)
Se
você não mora em outro planeta, com certeza já ouviu muito sobre a adaptação de
um livro de Stephen King sobre um escritor em crise criativa que pega um
trabalho de zelador de um hotel nas montanhas do Colorado, que fica fechado no
inverno. Leva para lá sua família e aos poucos enlouquece com as assombrações
do hotel e tenta matar sua mulher e seu filho. Stephen King odiou o filme. Por
quê? Porque é um filme de Stanley Kubrick, onde a historinha de terror de King
é apenas pretexto para um filme grandioso, beirando a perfeição. Um terror
psicológico e sobrenatural com suspense ao extremo e sem apelações. Nada de
adolescentes morrendo após cenas de sexo, nem sangue jorrando para todo lado. A
única mulher pelada que aparece é um fantasma e a cena com muito, muito sangue,
é de arrepiar, porque não é sangue de nenhum dos personagens. Esse filme faz
parte da minha teoria sobre David Lynch ter sido inspirado por Kubrick. Muito
aqui me lembrou Twin Peaks (um dia falo mais), a começar pela “limpeza” das
cenas e dos cenários. Tudo é muito bonito e limpo, clean.
Detalhes
a serem observados no filme: além de todos os apontados em Room 237 (2012), há algumas cenas que quase sempre passam despercebidos
nas análises do filme. Primeiro, a cena rápida de alguém vestido de urso
fazendo sexo oral em um homem, what a hell is that?! Outra é a cena rápida, no
delírio de Jack no Gold Room, quando passa uma mulher toda arrumada, com um
vestido branco, com uma mãozada de sangue bem na bunda! Quer fritar mais os
miolos, assista também ao Making The Shining, o making off filmado pela filha
de Kubrick, que faz você pensar se para o diretor os fins justificavam os
meios: Ele é legal demais com Jack Nicholson, que praticamente é uma “estrela
excêntrica”, e com Shelley Duvall o cineasta é quase um sádico, talvez para ela
incorporar mais o papel de “ele quer me matar”.
Nascido Para Matar (Full Metal Jacket, 1987)
Saiu
depois de Platoon (1986), Apocalypse Now (1979) e O Franco Atirador (1978), mas supera a todos
ao retratar a guerra do Vietnã apenas como ela foi para os americanos que
lutaram, sem romantismo, sem poesia, sem dramalhão. Dividido em duas partes,
mostra o treinamento rigoroso de fuzileiros antes de irem para a guerra e faz você
pensar se o bullying do sargento é exagerado. Não é. No final dessa parte, como
já li em algum lugar, é possível uma comparação sobre as Forças Armadas
americanas formarem seus psicopatas que atiram em presidentes e em crianças na
escola. A segunda parte é de um grupo de soldados na guerra, tentando
sobreviver e “curtir” o barato de estar sendo pago para estar num país exótico
matando pessoas.
Detalhes:
a cena em que um soldado explica como faz para atirar em mulheres e crianças do
helicóptero, enquanto mata vários camponeses vietnamitas ainda é atual e
poderia ser utilizada num filme sobre a Guerra do Iraque. Outra que me chama a
atenção é o espanto dos soldados ao descobrirem quem o assassino de seus
companheiros é uma garota e toda a possibilidade de “dó” e compreensão do tipo “qual
lado está certo” vai pro saco na cena em que ela é morta.
De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut, 1999)
A
primeira vez que vi esse filme eu era jovem demais para entendê-lo. Chamou mais
a minha atenção a cena da orgia na mansão, clássica e falsa. Revendo agora, dei
mais importância a história em si e as nuances de um relacionamento a dois:
Casal bonito e bem sucedido de Nova York tem uma breve crise, quando o mundo
perfeito do Dr. Tom Cruise rui ao descobrir que sua belíssima e gostosa Nicole
Kidman pode ter fantasias com outros homens. Perdido, vai parar numa mansão
onde ocorre uma orgia secreta para ricaços e entra em desespero quando, após
descoberto e expulso, a garota que o salvou morre e ele passa a ser seguido (lembra
A Firma (1993), só que sem corrida).
Essa história é apenas pretexto para Kubrick trabalhar a relação marido e
mulher e como ambos lidam com a sexualidade e as tentações. Tudo com ar
onírico... Tudo no filme parece um sonho, até a falsa Nova York. O que eu não
gosto nesse filme: Tom Cruise é bonzinho demais, como sempre! Fiel até o fim,
mesmo flertando a rodo com a mulherada.
Detalhe:
a cena do dono da loja de fantasias “prostituindo” sua filha me lembrou Lolita,
numa possível “outra versão” da história quando ela e o padrasto vão morar
juntos.
EXTRAS:
A.I. – Inteligência Artificial (2001)
Fala-se
muito sobre esse filme ter sido preparado por Kubrick, mas acabou sendo feito
por Spielberg. Stanley Kubrick “deu” esse filme para Steven Spielberg, que fez
um... filme de Steven Spielberg! Eu não acho que Kubrick desistiu do filme só
por causa dos efeitos. Acho que ele percebeu que o filme não era a cara dele,
mas poderia ser muito bem feito por Spielberg. Num futuro idealizado, uma família
adquire um androide em forma de criança e o pequeno David começa a desenvolver
um lado mais humano, até entrar numa jornada para se tornar humano e acabar sendo
encontrado por robôs mais evoluídos muito tempo depois, quando a humanidade foi substituída por eles. Uma
mistura de Pinóquio (1940) com O Homem Bicentenário (1999). Eu gosto muito
desse filme, mas gosto mais do Homem Bicentenário.
Detalhe:
uma possível referência a Kubrick está no momento em que aparecem os robôs e suas naves quadradas, muito semelhantes ao monólito de 2001.
Aryan Papers
Kubrick
pesquisou muito para fazer esse filme e desistiu quando ficou sabendo sobre a
produção de A Lista de Schindler (1993).
Segundo a esposa do cineasta, isso foi bom, pois o diretor ficou muito
deprimido ao pesquisar tudo sobre o massacre de judeus na Segunda Guerra
Mundial. Ficamos sem um filme de Kubrick sobre o Holocausto, mas talvez tenha
sido melhor assim. Veja mais sobre esse projeto aqui.
Napoleão
O
grande projeto do cineasta, que passou anos pesquisando e desenvolvendo o filme
sobre a história de Napoleão. Minha peça favorita da exposição no MIS é sobre
este filme. É a última peça que você vê, se visitar a exposição na ordem indicada:
um gaveteiro lotado de fichas sobre Napoleão e as pessoas que passaram por sua
história, resultados da pesquisa árdua de Kubrick. Recentemente, recebemos a
notícia de que Spielberg irá produzir uma minissérie baseado nos materiais eroteiro de Kubrick. Esperamos ansiosos para ver!
Stanley Kubrick – Imagens de uma Vida (A
Life in Pictures, 2001)
Documentário
feito logo após a morte do cineasta, contando brevemente sua vida e sobre a
produção dos seus filmes, narrado por Tom Cruise e com depoimento de várias
celebridades do mundo do cinema, atores e equipe que participaram dos filmes,
amigos e familiares. Muito interessante e vale muito a pena ser visto. A imagem
de cineasta chato é substituída pela de um homem perfeccionista e obcecado por
suas obras durante a produção delas, mas também um homem de família muito
querido.
Room 237 (2012)
Recente
documentário do tipo “o que está escondido no filme” sobre O Iluminado e alguns
outros filmes de Kubrick (mas o Iluminado é o foco principal). Muito americano,
quase paranoico com teorias que beiram o absurdo. Mas muitas coisas farão você
pensar ao assistir aos filmes. Vale a pena para quem for muito fã de O
Iluminado. Minha teoria preferida é a que dá título ao filme, sobre o quarto
237 e uma possível participação de Kubrick na falsificação do filme de
aterrisagem da nave Apolo 11 na Lua, em 1969.
Enfim,
Stanley Kubrick é um cineasta único, como pouquíssimos e, toda a história do
cinema, e para mim ao menos, era um gênio. Como Jack Nicholson diz no
documentário sobre o cineasta, tudo que dizem sobre ele não é suficiente. Sei
que enquanto for um estudioso de cinema, verei seus filmes várias vezes, hora
analisando a fotografia, hora a técnica, a arte, a narrativa, a direção de
atores... Para mim, foi um cineasta completo, que soube fazer o que muita gente
tenta e não consegue, que é aplicar conceitos artísticos em filmes mais
comerciais ou para um grande público.
Para
quem ama cinema, é um cineasta essencial! Futuramente, falarei de forma mais
aprofundada (para desespero de vocês) sobre alguns filmes dele...
Até!
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