quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Stanley Kubrick








Para quem está em São Paulo, esta é a última semana para ver a exposição sobre Stanley Kubrick no MIS (Museu da Imagem e do Som, com alguns elementos de cena dos filmes e muitos documentos de produção, roteiros e material de pesquisa do cineasta. Lá estão a fantasia de homem-macaco de 2001, o HAL-9000, os vestidos das gêmeas de O Iluminado, bem como o machado utilizado por Jack Nicholson no filme (que aliás, é um dos melhores ambientes da exposição, seguido do ambiente de 2001). Até estenderam o horário da exposição, para você brasileiro fã de cinema, que deixou pra última hora! Maiores informações aqui.

Confesso que conhecia pouco o trabalho do diretor, só tinha visto seus últimos e mais famosos filmes e era um daqueles que não conseguia chegar ao final de 2001. Mas, para ir à exposição, me dispus a rever os filmes e ver os outros que não conhecia e acabei deparando com a genialidade desse cineasta tão cultuado quanto incompreendido.  Talvez antes não estivesse bem preparado para absorver suas obras e por isso não tinha dado a devida importância aos seus filmes. Porém desta vez, assistir a cada filme foi como ter aulas de cinema com um mestre, que optou pela total independência invés de se sujeitar à grana de Hollywood ou seguir modismos cinematográficos da turma do “odeio blockbusters”.

Nascido em Nova York, Stanley Kubrick se apaixonou cedo pelo cinema e pela fotografia. Depois de trabalhar como fotógrafo para a revista Look, com ajuda da família fez seu primeiro longa, Medo e Desejo, em 1953. Daí em diante, foi um caminho de ascensão até ser chamado por Kirk Douglas para substituir o diretor do épico hollywoodiano Spartacus. Então, num momento com o qual muitos diretores brasileiros sonham e diriam “agora vou fazer quantos filmes eu puder em Hollywood”, Kubrick toma o caminho oposto: muda-se para a Inglaterra e passa a produzir seus filmes, para fazê-los do seu jeito. Veio Lolita e todos os seus filmes subsequentes, que o fizeram famoso pela obsessão pelo perfeccionismo, ótima direção de atores e temas extremamente controversos, com filmes que muita gente quebra a cabeça até hoje para entender. Faleceu em 1999, logo depois de finalizar seu último filme, De Olhos Bem Fechados, na casa onde vivia praticamente recluso.

Bem, eu assisti a todos os longas-metragens do Kubrick (ainda verei os curtas) e irei compartilhar aqui meus comentários sobre cada um deles. Alguns são bem famosos e é fácil encontrar centenas de reviews e interpretações pelo universo Google. Tentarei ser breve e me manter aos pontos que acho que realmente importam.

Medo e Desejo (Fear and Desire, 1953)


O único filme ruim de Kubrick. Encontrei por aí alguma críticas falando bem dele, mas para mim é balela de gente que não sabe separar o culto ao cineasta de sua obra. É compreensível porque o diretor renegou o filme por anos. O filme possui alguns traços de amadorismo que se vê em qualquer filme de estudante iniciante de cinema ou audiovisual. A começar pela história: 4 soldados de patentes diferentes, em uma guerra imaginária, tentam voltar à sua base depois de hipoteticamente sobreviverem a um acidente aéreo em território inimigo. No caminho, planejam invadir uma base inimiga para fugir no avião deles, mas são descobertos por uma garota e a fazem de refém. Passam o filme discutindo, com questões morais óbvias incutidas em seus diálogos e um deles vai enlouquecendo. Vale a pena ver por curiosidade, principalmente quanto à fotografia e ângulos curiosos de câmera do jovem diretor.
Detalhe: esse é o único filme que Kubrick não pôs a mão no roteiro.



A Morte Passou Por Perto (Killer’s Kiss, 1954)


Boxeador em fim de carreira apaixona-se pela sua vizinha, uma dançarina de salão. Ela sofre várias investidas de seu patrão, um possível mafioso que tenta matar o boxeador para tirá-lo do caminho. Tudo dá errado quando quem acaba assassinado por engano é o agente do boxeador. Narrado pelo protagonista, o filme é todo em flashback e é uma boa diversão de filme policial, para quem gosta de filmes do gênero dos anos 1950. A mão do diretor está na fotografia e luz sensacional que os filmes noir sempre tem, e que Kubrick manipula com maestria. Além disso, há detalhes no filme que levarão você, cinéfilo, a pensar “acho que já não vi isso em algum lugar”. A abertura lembra OPagamento Final (1993), com o protagonista à espera da dançarina na estação de trem e pelo menos duas sequências lembram O Poderoso Chefão (1972): a escada do local onde a dançarina trabalha e toda a sequencia da morte de Albert, o agente do boxeador.
Detalhe: é o único filme com roteiro original de Kubrick, escrito junto com Howard Sackler, o roteirista de seu filme anterior. A partir de seu próximo filme, todos os filmes de Kubrick serão baseados em obras literárias.



O Grande Golpe (The Killing, 1956)


Você já viu isso antes: bandido reúne um grupo para realizar um grande roubo (neste caso, em um hipódromo), mas nem tudo dá certo como havia sido planejado. Não, não é Cães de Aluguel (1992) (até o mexican standoff derradeiro está aqui), mas duvido não se lembrar do filme quando assistir O Grande Golpe. Narrativa fora de ordem, com flashbacks, bandidos caricatos, longas conversas sobre problemas pessoais com diálogos ímpares, que com certeza Tarantino tirou daqui, como bom copiador que ele é. Além da luz, o filme tem ângulos e movimentos de câmera sensacionais (inclusive o travelling lateral tão utilizado por Kubrick) e é perceptível o processo de amadurecimento do diretor: em seu primeiro filme ele é amador, no segundo ainda há alguns elementos de amadorismo, mas aqui não. Neste filme Kubrick já é um diretor profissional como qualquer outro, ao ponto de mandar o diretor de fotografia montar o trilho da câmera onde ele pediu ou ir para casa e não voltar mais (começando assim a histórica “chatice” de Kubrick no set de filmagem).
Detalhe: muitos filmes de Kubrick tem alguma referência aos seus filmes anteriores. Repare na máscara utilizada por Clay para efetuar o assalto ao hipódromo, você verá uma similar em Laranja Mecânica.



Glória Feita de Sangue (Paths of Glory, 1957)


Para mim, é neste filme que Kubrick atinge seu amadurecimento total e realiza um “filme de Stanley Kubrick” como os outros que virão. O filme é perfeito (se você assisti-lo levando em consideração que ele foi realizado em 1957), retratando a história de um coronel que é obrigado por um general francês a mandar suas tropas invadirem o campo inimigo durante a Primeira Guerra, mesmo sabendo que a morte de quase todos é certa. Metade do pelotão não avança e, como punição, o general põe a julgamento três soldados, acusando-os de covardia e condenando-os à morte. É um filme antibelicista, no estilo “na guerra os pobres se ferram, enquanto os ricos generais ficam com a glória”, mas que cumpre seu papel sem precisar recorrer a lições de moral. Kubrick parece contar a história e deixar que você chegue às suas próprias conclusões, de maneira similar ao que faria em Nascido Para Matar (1987). É interessante como as pessoas parecem pessoas reais, não personagens caricatos tão comuns em filmes antigos de guerra. Como já li em algum lugar, é um ótimo filme de guerra, porque deixa o espectador com raiva dela.
Detalhe para 5 momentos do filme que me chamaram a atenção: os travellings e steadicams nas trincheiras, claustrofóbicos e geniais; a sequencia da tomada do Formigueiro, muito bem feita e coreografada para a época e que me lembrou a abertura de O Resgate do Soldado Ryan (1998); a opulência do castelo onde ficam os generais, enquanto os solados se espremem nas trincheiras, culminando na imagem opressiva e kafkiana do julgamento, com os soldados cercados por uma sala enorme e opressiva; a execução dos soldados, naquele momento em que você pensa “ok, estou assistindo a um filme de 1957, alguma coisa acontecerá e eles serão salvos”, mas aí você se lembra de que é um filme do Kubrick; o epílogo do filme, numa cena meio famosa da prisioneira alemã (interpretada pela mulher do diretor) cantando e os soldados se comovendo e cantarolando a melodia da música em solidariedade, mesmo que não saibam alemão, numa clara mensagem do tipo “esse filme é universal e sua mensagem é a mesma para qualquer povo”.



Spartacus (1960)


Esse foi o filme mais penoso para eu assistir. É demasiadamente longo e lento, como a maioria dos épicos da época. Em pleno Império Romano, o escravo Spartacus lidera uma rebelião de todos os escravos de Roma, enquanto constrói um relacionamento amoroso com Varínia, outra escrava rebelada. Muita semelhança com Gladiador(2000) não é mera coincidência. Kubrick fez esse filme dentro do esquema de estúdios de Hollywood da época (não mudou muita coisa para hoje), após ser chamado por Kirk Douglas, que despediu o diretor anterior e, mesmo reescrevendo grande parte do roteiro e incluindo cenas de batalha, ainda assim teve uma criação artística limitada pelo esquema de produção. É fácil perceber que o filme é uma metáfora sobre os norte-americanos se libertarem da escravidão europeia e todos os estereótipos de “pobre do bem” e “rico do mal” estão lá. É um grande filme, mas não é um Kubrick legítimo.
Detalhe para a rivalidade (e toda a simbologia que você puder pensar) da virilidade heterossexual de Spartacus contra as tendências homossexuais de Crassus, que é fraco e invejoso. Lembre-se que é um filme hollywoodiano de 1960.



Lolita (1962)


Polêmico na época em que foi feito, hoje parece um filme bob, se você assistir esperando por um Emmanuelle (1974) misturado com Anita e Engraçadinha! A magia desse filme, como na época, não está em mostrar a relação sexual de uma adolescente com professor de meia idade, que passa um tempo hospedado na casa de Lolita e se apaixona pela garota. A beleza do filme está em como tudo é subentendido, sem necessidade de ser explícito e como as pessoas se comportam durante o filme. O tiozão Hilbert, interpretado muito bem por James Manson, vai enlouquecendo a medida que sua paixão por Lolita aumenta, chegando ao ponto de casar-se com a mãe dela para ficar perto da garota e, quando a mãe morre, não demonstra o mínimo de remorso e parte para um possível final de semana romântico com a adolescente. Ambos começam a viver com seu relacionamento escondido e é aí que Lolita passa a ser a manipuladora, fazendo seu padrasto de bobo até larga-lo. Mais do que uma história de “tio daSukita”, o filme é uma crítica feroz aos americanos e seu famoso falso moralismo. O primeiro filme de uma nova fase de Kubrick em que ele produz seus próprios filmes e tem liberdade criativa, o que o cineasta faz com maestria, em sua primeira crítica real à hipocrisia da sociedade em que vivemos. Você pode até achar que o filme é datado, mas ao assistir, compare Lolita com as adolescentes de hoje e repare nos mecanismos sociais dos demais personagens. Tudo extremamente atual!
Detalhe: claro que Peter Sellers rouba a cena, com sua interpretação de um personagem que, para mim, é uma sátira ao “povo de Hollywood” e à empáfia dos escritores e produtores do star system. Minhas cenas preferidas de Sellers são o momento em que ele dança com sua musa “Morticia Adams” e seu intenso quase monólogo sobre “pessoas normais”. Sensacional!



Dr. Fantástico (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, 1964)


Esse é um daqueles clássicos (como outros que seguirão abaixo) que falar sobre ele é chover no molhado. Muito já foi dito e está cheio de críticas e resenhas dele por aí. A história de um militar que enlouquece e inicia o protocolo para que aviões norte-americanos ataquem os russos com uma bomba nuclear é pretexto para sequencias hilariantes, numa crítica ácida não só sobre o medo de o mundo explodir, tão comum nos tempos de Guerra Fria, mas também sobre a possibilidade do destino do planeta estar nas mãos de gente tão mané quanto aquele seu amigo fã de Jackass. A maravilha do filme não está na crítica antibelicista, mas sim nas interpretações e alguns “momentos” do filme. A cena mais famosa é do Major Kong cavalgando a bomba atômica, copiada e parodiada muitas vezes, mas não é a sequencia mais engraçada. Melhores, são as cenas do presidente dos EUA falando ao telefone com o presidente russo, o militar Mandrake (Peter Sellers) tentando fazer uma ligação a cobrar para o presidente, enquanto pede para um militar atirar numa máquina de Coca-Cola para pegar moedas (aliás, a fala do militar dá a entender que a Coca-Cola é mais importante que o governo!) e a clássica cena do Dr. Fantástico (Sellers, de novo) brigando com o próprio braço com impulsos nazistas.
Detalhe para duas coisas: a estreia de James Earl Jones (a voz de Darth Vader), como parte da tripulação do Major Kong e o enorme cenário da Sala de Guerra e seu piso tão brilhante que a equipe de filmagem tinha que utilizar chinelos de feltro para andar pelo set.



2001 – Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968)


O melhor de todos os filmes de Kubrick. Tão genial que tantas interpretações que tem por ai não fazem jus à mensagem que provavelmente somente Kubrick e Arthur C. Clarke (que colaborou no roteiro) sabiam o verdadeiro significado do filme. Revolucionário em seus efeitos especiais copiados nos primeiros Star Wars, o filme é único e, apesar do seu ritmo lento (proposital, eu acho), ainda hoje é um soco no cérebro. A história é “simples”: o mesmo monólito preto alienígena que pode ter sido o responsável pelo pulo evolucionário do homem-macaco para o homem atual é encontrado na Lua por uma equipe espacial e uma outra equipe é enviada a Júpiter, para um possível contato extraterrestre. Porém, o computador da nave HAL-9000 enlouquece e tenta matar os tripulantes. O único sobrevivente “desliga” o computador  e chega a Júpiter, onde atravessa um portal estrelar e vai parar num misterioso quarto alienígena. O filme tem uma linha narrativa aparentemente sem nexo, mas aparentemente comum, apesar de uma beleza cinematográfica impressionante, com uma parte inicial com os primatas, seguido da parte em que os astronautas vão à Lua para investigar o monólito e a terceira parte, com a tripulação da Discovery tentando sobreviver à aparente loucura do computador HAL-9000. A parte que dá nó no cérebro é o final, com a passagem o portal em Júpiter e o quarto misterioso, antes do astronauta sobrevivente virar um “bebê estrelar”. Tudo isso é feito com uma harmonia entre imagem e música clássica, além dos efeitos que a geração CGI vai quebrar a cabeça pensando “como esse cara fez isso sem um computador?”. Um dia falarei melhor desse filme, que não é um filme fácil de assistir e menos ainda de digerir mentalmente, mas é o meu preferido de Stanley Kubrick.
Detalhes a serem reparados no filme: a cena em que HAL-9000 é desativado e “sente sua memória esvair” e começa, num ato semelhante a quem sofre de Alzheimer, a cantar “Daisy, Daisy”. Além de dramaticamente sensacional, é uma referencia direta à primeira música cantada por um computador. Teoria maluca: eu acho (só acho) que David Lynch era fã de Kubrick e faz várias referências às obras do cineasta. Assim, o quarto misterioso de 2001 pode ser uma inspiração direta para o Black Lodge de Twin Peaks. Falarei mais sobre isso outro dia, hehe.



Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971)


O clássico hipster dos clássicos hipsters, o filme mais pop de Kubrick, amado e reverenciado por jovens que não gostam de filmes comerciais e são “apaixonados” pelos filmes do diretor! (¬¬) Num futuro próximo (eu chuto 2015, por aí), um jovem delinquente barbariza as ruas de Londres com sua gang, até ser preso por assassinato. Nem um pouco a fim de passar a vida na cadeia, se sujeita a um tratamento experimental, que pretende inibir os impulsos sexuais e violentos. Tudo dá errado, o jovem Alex paga pelos seus pecados e o mesmo governo que condenou o jovem o salva, depois de um momento de desespero do jovem. O filme foi e ainda é polêmico e deveria ser visto mais por profissionais de grandes mídias, autoridades governamentais e intelectuais de esquerda do que por hipsters. Quem assisti-lo hoje pode acha-lo datado, ultrapassado, um retrato falso do futuro... Porém para mim ele ainda continua atual e pode ser facilmente comparado com o governo, a mídia e os intelectuais de hoje. E os jovens, bem, deixo pra você refletir porque a juventude “rebelde” atual adora o filme...
Detalhe: cheio de cenas e objetos clássicos, o filme, se fosse feito hoje, renderia muito dinheiro extra com marketing... Maquiagem, figurino, objetos de cena, tudo é cultuado e “vendável”! Como todo filme pop adolescente, é cheio de “ícones”! Lembra das referências a outros filmes de Kubrick? Além, da máscara de um dos integrantes da gangue de Alex parecer a máscara de O Grande Golpe, repare na cena da loja de discos, onde há um disco da trilha de 2001 à venda. Outras duas coisas: adoro a forma como o filme retrata e trabalha o sexo e minha cena preferida do filme é a invasão da casa do escritor e o seu espancamento ao som de Singin' in the Rain, seguido do estupro de sua esposa.



Barry Lyndon (1975)


O que dizer? Um filme subestimado, tão bom quanto 2001 ou O Iluminado. Um dos meus preferidos! A jornada de Redmond Barry, de irlandês bobão a lorde inglês pilantra e sua queda é retratada por Kubrick em cenas que mais parecem quadros dos séculos XVIII e XIX em movimento. As famosas cenas filmadas à luz de velas são apenas uma parte das composições que parecem mais quadros que filme, graças também ao figurino original (invés de réplicas) e o uso de uma lente especial para câmeras estáticas (de foto, não de filme), que faz o filme perder a profundidade (que o cineasta dominava tão bem), dando o ar de pintura que o filme tem. Uma lição de cinema... Muitos dirão que é chato, porque é lento, muito lento... Mas a história se passa no século XVIII e tudo era mais lendo e na verdade acho bom o ritmo do filme, que é formado por vários “momentos” da vida do protagonista.
Detalhe: em uma cena logo após Redmond se casar com lady Lyndon, eles estão em uma carruagem, ela com uma roupa com uma enorme pele de animal em volta do pescoço. Me lembrou muito uma cena de Rachel em Blade Runner(1982). E as duas personagens são parecidas, não só fisicamente, mas também por estarem desesperadas por amor e se apaixonarem pelo tipo “brutamontes sem modos”. Minhas duas cenas preferidas são as dos duelos, no começo e no final do filme. Humor kubrickiano, hehe.


O Iluminado (The Shining, 1980)


Se você não mora em outro planeta, com certeza já ouviu muito sobre a adaptação de um livro de Stephen King sobre um escritor em crise criativa que pega um trabalho de zelador de um hotel nas montanhas do Colorado, que fica fechado no inverno. Leva para lá sua família e aos poucos enlouquece com as assombrações do hotel e tenta matar sua mulher e seu filho. Stephen King odiou o filme. Por quê? Porque é um filme de Stanley Kubrick, onde a historinha de terror de King é apenas pretexto para um filme grandioso, beirando a perfeição. Um terror psicológico e sobrenatural com suspense ao extremo e sem apelações. Nada de adolescentes morrendo após cenas de sexo, nem sangue jorrando para todo lado. A única mulher pelada que aparece é um fantasma e a cena com muito, muito sangue, é de arrepiar, porque não é sangue de nenhum dos personagens. Esse filme faz parte da minha teoria sobre David Lynch ter sido inspirado por Kubrick. Muito aqui me lembrou Twin Peaks (um dia falo mais), a começar pela “limpeza” das cenas e dos cenários. Tudo é muito bonito e limpo, clean.
Detalhes a serem observados no filme: além de todos os apontados em Room 237 (2012), há algumas cenas que quase sempre passam despercebidos nas análises do filme. Primeiro, a cena rápida de alguém vestido de urso fazendo sexo oral em um homem, what a hell is that?! Outra é a cena rápida, no delírio de Jack no Gold Room, quando passa uma mulher toda arrumada, com um vestido branco, com uma mãozada de sangue bem na bunda! Quer fritar mais os miolos, assista também ao Making The Shining, o making off filmado pela filha de Kubrick, que faz você pensar se para o diretor os fins justificavam os meios: Ele é legal demais com Jack Nicholson, que praticamente é uma “estrela excêntrica”, e com Shelley Duvall o cineasta é quase um sádico, talvez para ela incorporar mais o papel de “ele quer me matar”.


Nascido Para Matar (Full Metal Jacket, 1987)


Saiu depois de Platoon (1986), Apocalypse Now (1979) e O Franco Atirador (1978), mas supera a todos ao retratar a guerra do Vietnã apenas como ela foi para os americanos que lutaram, sem romantismo, sem poesia, sem dramalhão. Dividido em duas partes, mostra o treinamento rigoroso de fuzileiros antes de irem para a guerra e faz você pensar se o bullying do sargento é exagerado. Não é. No final dessa parte, como já li em algum lugar, é possível uma comparação sobre as Forças Armadas americanas formarem seus psicopatas que atiram em presidentes e em crianças na escola. A segunda parte é de um grupo de soldados na guerra, tentando sobreviver e “curtir” o barato de estar sendo pago para estar num país exótico matando pessoas.
Detalhes: a cena em que um soldado explica como faz para atirar em mulheres e crianças do helicóptero, enquanto mata vários camponeses vietnamitas ainda é atual e poderia ser utilizada num filme sobre a Guerra do Iraque. Outra que me chama a atenção é o espanto dos soldados ao descobrirem quem o assassino de seus companheiros é uma garota e toda a possibilidade de “dó” e compreensão do tipo “qual lado está certo” vai pro saco na cena em que ela é morta.


De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut, 1999)


A primeira vez que vi esse filme eu era jovem demais para entendê-lo. Chamou mais a minha atenção a cena da orgia na mansão, clássica e falsa. Revendo agora, dei mais importância a história em si e as nuances de um relacionamento a dois: Casal bonito e bem sucedido de Nova York tem uma breve crise, quando o mundo perfeito do Dr. Tom Cruise rui ao descobrir que sua belíssima e gostosa Nicole Kidman pode ter fantasias com outros homens. Perdido, vai parar numa mansão onde ocorre uma orgia secreta para ricaços e entra em desespero quando, após descoberto e expulso, a garota que o salvou morre e ele passa a ser seguido (lembra A Firma (1993), só que sem corrida). Essa história é apenas pretexto para Kubrick trabalhar a relação marido e mulher e como ambos lidam com a sexualidade e as tentações. Tudo com ar onírico... Tudo no filme parece um sonho, até a falsa Nova York. O que eu não gosto nesse filme: Tom Cruise é bonzinho demais, como sempre! Fiel até o fim, mesmo flertando a rodo com a mulherada.
Detalhe: a cena do dono da loja de fantasias “prostituindo” sua filha me lembrou Lolita, numa possível “outra versão” da história quando ela e o padrasto vão morar juntos.



EXTRAS:

A.I. – Inteligência Artificial (2001)
Fala-se muito sobre esse filme ter sido preparado por Kubrick, mas acabou sendo feito por Spielberg. Stanley Kubrick “deu” esse filme para Steven Spielberg, que fez um... filme de Steven Spielberg! Eu não acho que Kubrick desistiu do filme só por causa dos efeitos. Acho que ele percebeu que o filme não era a cara dele, mas poderia ser muito bem feito por Spielberg. Num futuro idealizado, uma família adquire um androide em forma de criança e o pequeno David começa a desenvolver um lado mais humano, até entrar numa jornada para se tornar humano e acabar sendo encontrado por robôs mais evoluídos muito tempo depois, quando a humanidade foi substituída por eles. Uma mistura de Pinóquio (1940) com O Homem Bicentenário (1999). Eu gosto muito desse filme, mas gosto mais do Homem Bicentenário.
Detalhe: uma possível referência a Kubrick está no momento em que aparecem os robôs e suas naves quadradas, muito semelhantes ao monólito de 2001.


Aryan Papers
Kubrick pesquisou muito para fazer esse filme e desistiu quando ficou sabendo sobre a produção de A Lista de Schindler (1993). Segundo a esposa do cineasta, isso foi bom, pois o diretor ficou muito deprimido ao pesquisar tudo sobre o massacre de judeus na Segunda Guerra Mundial. Ficamos sem um filme de Kubrick sobre o Holocausto, mas talvez tenha sido melhor assim. Veja mais sobre esse projeto aqui.

Napoleão
O grande projeto do cineasta, que passou anos pesquisando e desenvolvendo o filme sobre a história de Napoleão. Minha peça favorita da exposição no MIS é sobre este filme. É a última peça que você vê, se visitar a exposição na ordem indicada: um gaveteiro lotado de fichas sobre Napoleão e as pessoas que passaram por sua história, resultados da pesquisa árdua de Kubrick. Recentemente, recebemos a notícia de que Spielberg irá produzir uma minissérie baseado nos materiais eroteiro de Kubrick. Esperamos ansiosos para ver!

Stanley Kubrick – Imagens de uma Vida (A Life in Pictures, 2001)
Documentário feito logo após a morte do cineasta, contando brevemente sua vida e sobre a produção dos seus filmes, narrado por Tom Cruise e com depoimento de várias celebridades do mundo do cinema, atores e equipe que participaram dos filmes, amigos e familiares. Muito interessante e vale muito a pena ser visto. A imagem de cineasta chato é substituída pela de um homem perfeccionista e obcecado por suas obras durante a produção delas, mas também um homem de família muito querido.


Room 237 (2012)
Recente documentário do tipo “o que está escondido no filme” sobre O Iluminado e alguns outros filmes de Kubrick (mas o Iluminado é o foco principal). Muito americano, quase paranoico com teorias que beiram o absurdo. Mas muitas coisas farão você pensar ao assistir aos filmes. Vale a pena para quem for muito fã de O Iluminado. Minha teoria preferida é a que dá título ao filme, sobre o quarto 237 e uma possível participação de Kubrick na falsificação do filme de aterrisagem da nave Apolo 11 na Lua, em 1969.


Enfim, Stanley Kubrick é um cineasta único, como pouquíssimos e, toda a história do cinema, e para mim ao menos, era um gênio. Como Jack Nicholson diz no documentário sobre o cineasta, tudo que dizem sobre ele não é suficiente. Sei que enquanto for um estudioso de cinema, verei seus filmes várias vezes, hora analisando a fotografia, hora a técnica, a arte, a narrativa, a direção de atores... Para mim, foi um cineasta completo, que soube fazer o que muita gente tenta e não consegue, que é aplicar conceitos artísticos em filmes mais comerciais ou para um grande público.
Para quem ama cinema, é um cineasta essencial! Futuramente, falarei de forma mais aprofundada (para desespero de vocês) sobre alguns filmes dele...

Até!

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