"Down there it's pitch black"
(Diga isso com sotaque de garota escocesa)
(Diga isso com sotaque de garota escocesa)
É engraçado como alguns filmes te cativam do nada e ficam grudados na sua memória por vários anos. Tá, esse filme não tem dez anos ainda, mas é aquele filme que você sempre lembra. Há oito anos atrás eu ainda estava "engatinhando" nessa parada de baixar filmes, e estava começando a entrar no mundo dos “downloads ilegais”. Lembro até hoje dos dois primeiros filmes que eu baixei. O primeiro foi uma versão gravada horrivelmente do cinema de Superman Returns. Lembro que o filme iria demorar um mês para chegar depois da data de estreia americana e eu estava louco para ver logo ele. E o outro filme foi O Abismo do Medo. Lembro que o filme estava para estrear nos cinemas brasileiros e naquela época eu não tinha muita grana para ir ao cinema porque eu ainda era um desempregado, recém-saído da escola. Não tinha muita grana na época e comecei a ver que essa parada de baixar filmes era uma boa saída. Ainda mais se um filme que já tinha estreado um ano antes lá fora. Levei um choque ao abrir o arquivo que tinha levado nove horas e meia para ser baixado. Usava a porra do ARES para baixar filmes em uma velocidade absurda de 15Kbs. Mas mesmo assim fiquei feliz, já que o filme vinha em toda glória de um DVDRIP.
Saudades do ARES |
Depois de demorar tanto para baixar um filme e explodir a conta de luz de sua casa, você ainda tinha que torcer para que o filme não fosse ruim, mas O Abismo do Medo foi um daqueles casos gratificantes. Lembro de ver ele naquele esquemão clássico de luz apagada e fone de ouvido alto durante a madrugada. O filme já começa impactante, mostrando o grupo de amigas praticando Rafting e seu apreço pelos esportes radicais. Conhecemos as duas protagonistas do filme, Sarah (Shauna Macdonald) e Juno (Natalie Mendoza). Paul (Oliver Milburn) marido de Sarah aparece para buscar a sua mulher junto da filha do casal, Jessica. Mas antes de irem você percebe que Paul tem algum tipo de relação com Juno. É uma cena que estabelece todo o clima para a sequência final do filme. Na cena seguinte levamos um soco na cara com uma das cenas mais impactantes que já vi no cinema de horror. Um acidente de carro que tira a vida de Paul e Jessica. É impactante porque você não espera isso. Porra, ainda tem créditos rolando no meio da cena.
Um ano após o acontecimento, Sarah ainda sofrendo com a tragédia que levou sua família embora, resolve se reunir com suas amigas para uma viagem até os Estados Unidos onde decidem explorar uma caverna. Sarah acha que essa aventura pode ajudar seguir em frente com sua vida. Aqui somos apresentados às outras amigas de Sarah. Beth e as irmãs Rebecca e Sam. Fechando o grupo temos a amiga e uma espécie de aprendiz de esportes radicais/amiga íntima de Juno, Holly. Antes das garotas partirem para a caverna, vemos que Sarah tem alguns pesadelos com a sua filha e o acidente, o que reflete com um dos melhores finais de um filme do gênero que eu já vi.
Então as garotas partem para explorar a caverna como todos os clichês possíveis deste gênero, mas que aqui funcionam muito bem como a garota que quer ser mais radical e esquece o mapa de cavernas no carro, a garota cautelosa e quer que todos sigam as normas de segurança. A que reclama de tudo e aquela que se acha a fodona e que acaba se ferrando e ferrando todas as outras. Mas como o filme é uma produção inglesa, isso só serve para ilustrar as suas personalidades mesmo. Se fosse um filme de estúdio americano, esse traço de personalidade provavelmente enfrentaria algum tipo de problema que iria contra este traço. Aí cada personagem teria sua cena clichê para resolver esse problema (Exemplo: Personagem tem medo altura, então de repente se vê em uma situação que envolve altura). Aqui todas as personagens ainda tentam manter a calma para resolverem os seus problemas.
Outra coisa que realmente funciona no filme é o ambiente em que ele se passa. Cavernas realmente são assustadoras. Explorar um lugar misterioso, escuro e claustrofóbico pode causar várias sensações como medo, paranoia, claustrofobia, desorientação, isolação, entre outros. E como uma das garotas comenta: "Well... Down there it's pitch black", então boa parte do filme se passa em uma escuridão agoniante. O filme poderia ser um desastre como foi o segundo Alien vs Predador, onde o mesmo elemento da escuridão é usado, mas que no final só atrapalha o espectador. Aqui a escuridão é um dos personagens principais. O diretor Neil Marshall aqui dá um banho de direção. Eu considero o Neil com um dos poucos diretores hoje em dia que ainda fazem um cinema ao estilo dos anos 80'. Seja ação ou horror, Neil sabe dosar muito bem o Gore e a violência em seus filmes e ainda usa muitos efeitos práticos em suas cenas. Mesmo sendo uma produção rodada nos estúdios clássicos de Pinewood, Inglaterra (Só fizeram os filmes do James Bond Star Wars lá, nada muito grande =P), Abismo do Medo foi uma produção com pouco orçamento. Mas o modo como o Neil Marshall trabalha fez toda a diferença, principalmente com a maquiagem dos monstros do filme.
E nossa, eles são assustadores. Criaturas que evoluíram para sobreviver dentro de cavernas. Elos perdidos de nossa natureza. Essa é a grande graça do filme. Encontrar com algo jamais visto. A curiosidade pelo desconhecido. Passar por um perigo e não poder pedir ajuda. O filme claramente lembra muito o clássico ALIEN de 1979. Mas ao invés de ter só um Alien caçando as garotas, temos várias criaturas caçando dentro de um labirinto escuro, fechado e sem perspectivas de saída. Aqui Neil Marshall mostra mais uma vez a sua genialidade. As atrizes só foram apresentadas aos monstros em cena. O choque de ver os monstros é totalmente real. Tirando as óbvias referências de ALIEN, também temos uma ótima homenagem para Carrie, A Estranha. Aliás, toda essa cena dentro da “Piscina de Sangue” é espetacular. Tanto como cena de ação e visualmente, é uma cena linda. Foi homenageada até no último jogo do Tomb Raider. Ahhhh a cultura do Remix =P
Nessa altura do filme já temos duas personagens mortas. Uma por uma burrice clássica e outra assassinada “sem querer” por Juno. É uma das cenas que ajudam dar forma para o final espetacular e definem o relacionamento de Juno e Sarah. Sarah que já perdeu tudo em sua vida, começa a se tornar mais forte no meio da situação bizarra em que se encontra, enquanto Juno começa a transparecer toda uma culpa que carrega, dentro e fora da caverna com Sarah. Graças às atuações você realmente sente o peso da cena final.
Essa é a verdadeira cena final em minha opinião, já que na versão americana a Sarah realmente consegue escapar. O filme deu tão certo que realmente levaram em conta o final americano só para fazerem uma continuação que é até boa, mas não chega aos pés do primeiro filme. O final é bem poético e vai totalmente contra ao estilo do gênero.
Vale destacar aqui também a bela trilha sonora de David Julyan. Os temas ficam para sempre na sua memória. Sombrio e aterrador na medida certa.
O clima claustrofóbico, sombrio e perigoso, junto de um ótimo ritmo e boas atuações, faz com que O Abismo do Medo seja um dos grandes filmes de terror dos anos 2000. Ele tem os elementos clássicos de filmes como Alien e Enigma de Outro Mundo, e a violência e o gore dos filmes de sua época. É bom lembrar que outros grandes filmes saíram neste mesmo período de tempo. Filmes como Jogos Mortais, O Chamado, Wolf Creek, 28 Days Later e o Remake de The Hills Have Eyes. Assim como Abismo, todos trouxeram uma nova roupagem ao um gênero que tende a se repetir muito.
Depois deste filme, o diretor Neil Marshall continua a sua carreira com filmes de ação como Doomsday, e épicos como Centurion com Michael Fassbender no elenco. Neil também foi se aventurar na TV, dirigindo dois grandes episódios de Game of Thrones (Blackwater e The Watchers on the Wall), dois episódios da série Black Sails e o piloto da série do Constantine. Há rumores de que Neil possa dirigir o novo filme do King Kong, Skull Island em 2016.
O Abismo do Medo trabalha muito bem não só com o imaginário de outros clássicos do gênero e do cinema em geral, como elementos ligados a mitos (Enfrentar o seu "verdadeiro inimigo" dentro da caverna" hã? hã? O George Lucas deve ter dado pulos de alegria, hahaha) e sonhos. Evocando imagens de pinturas clássicas de Goya ou Gustave Doré (Black Paintings do Goya e as ilustrações do Doré. Obrigado, aulas de história da arte da faculdade que na época me fizeram lembrar o filme, hahaha). Esse conjunto de referências só aumenta o peso do filme, que já virou cult com os fãs do gênero.
Nesse próximo Halloween eu recomendo muito que você faça a “Descida ao Inferno”. Seja novamente ou pela primeira vez, garanto que esse filme vai te deixar bolado por vários dias.
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