quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A GRANDE APOSTA


Assim que termina a sessão de A Grande Aposta, filme sobre a crise da bolha imobiliária nos EUA entre 2007 e 2008, a impressão é de ter assistido a um daqueles documentários divertidos da NatGeo. Você se divertiu, se informou, deu risadas, se emocionou e saiu do cinema certo de que valeu o alto preço do ingresso. Afinal, o filme teve 5 indicações ao Oscar de 2016 – inclusive de filme e direção – além de contar com Christian Bale (Batman: O Cavaleiro das Trevas), Steve Carell (The Office), Ryan Gosling (Amor a Toda Prova) e Brad Pitt (Sr. & Sra. Smith) no elenco.

O filme conta, com leve tom de comédia, como um excêntrico dono e investidor de um pequeno fundo de investimentos previu que uma bolha estava prestes a estourar no mercado imobiliário norte-americano e começou a investir contra os bancos. Assim que um corretor de um dos bancos percebe a jogada, também começa a indicar o tipo de investimento aos seus clientes. O dono de uma corretora também tem conhecimento e começa a investir, enquanto tenta alertar a todos do mercado sobre a bolha. Uma dupla de jovens investidores também entram na onda, pedindo ajuda a um veterano do mercado financeiro. Tudo acontece de forma paralela, com quase nenhuma interação entre as partes, até que os bancos e o governo não conseguem mais esconder e segurar o mercado e a bolha realmente estoura, gerando a crise de 2008, que pôs vários americanos para morar na rua e gerou uma crise financeira mundial.

Chato? Nada disso! Tudo isso é contado com uma montagem bem dinâmica e divertida, quase como um “documentário feito pela MTV”, com direito a personalidades pop explicando conceitos complexos do mercado financeiro. É um filme divertido e garante o entretenimento, mesmo tratando de um assunto que poucos dominam e que teve consequências bem tristes para muitas pessoas.



O diretor do filme, Adam McKay, com experiência em comédia na MTV, Saturday Night Live e filmes como O Âncora, faz uma direção impecável! Atores, trilha sonora, fotografia e montagem estão muito bem orquestrados, todos ligados pelo roteiro muito bem escrito, adaptado do livro A Jogada do Século, de Michael Lewis. Jornalista, Lewis já teve outros livros seus adaptados para filmes, com Um Sonho Possível e O Homem que Mudou o Jogo. Mas em A Grande Aposta, Adam McKay, homem de comédia, contou com a ajuda de Charles Randolph, roteirista mais “sério” de filmes como A Intérprete, Amor e Outras Drogas e A Vida de David Gale, para construir um roteiro que trata de um assunto complicado de entender e trágico em suas consequências de uma maneira mais leve e descontraída. Ao assistir ao filme, ficou claro para mim que era essencial que o diretor participasse também da escrita, pois o filme tem momentos de quebra da quarta parede e de montagem que seria muito difícil de um roteirista escrever para outro diretor, ou de um diretor transpor para a tela se a sequência tivesse sido escrita por outra pessoa.

O diretor não se perde no ritmo e a montagem não fica confusa, facilitando a vida do espectador. Para mim, é certa indicação de montagem, roteiro e direção. Tarefas essas executadas com maestria. Você acompanha com certa torcida a excentricidade do personagem interpretado por Christian Bale, os momentos explosivos e engraçados de Steve Carell e a pompa caricata do personagem do Ryan Gosling. Mesmo que às vezes o assunto (transações financeiras e investimentos no mercado imobiliário) pareça chato e difícil de entender, logo aparece uma celebridade como Margot Robbie ou Selena Gomez, ou uma situação engraçada, para manter o espectador atento à tela. Artifício proposital e certeiro para uma plateia que está ali para se entreter e comer pipoca!

Não acho que seja o filme do ano e, por mais que tenha sido indicado, a interpretação de Christian Bale não é a melhor do filme. Porém, o filme cumpre o que promete: tratar de um assunto complicado e tragicamente recente para muitos norte-americanos com intensão mais de entreter do que informar, no melhor estilo da série de livros Para Leigos. Vi muitas comparações ao estilo do filme aos filmes de Martin Scorsese, mas, de verdade, apesar da trilha, montagem e narração em off, para mim são estilos bem diferentes, talvez mais perceptível aos mais entusiastas do cinema.

Há outros filmes que tratam sobre o assunto, como Grande Demais Para Quebrar e o documentário premiado Trabalho Interno (narrado por Matt Damon), mas A Grande Aposta com certeza já é meu preferido! Além disso, por mais que possa sentir um pouco de coceguinhas na consciência ao término do filme, a diversão fala mais alto, ainda mais tratando-se de um acontecimento em outro país e que nos afetou muito pouco. Então, mais que recomendo o filme e espero que ele seja indicado por muitos professores de cursos das áreas Financeira, Administração e Economia.



Agora, se você leu até aqui, é hora de eu falar sobre algumas coisas negativas, claro. E não é sobre o filme em si, mas sobre o tema que ele aborda e como nos comportamos diante disso! Se sua consciência, ao assistir ao filme, sentiu mais do que cócegas, como a minha, então talvez você tenha percebido ou pensado sobre as mesmas coisas que vou falar aí embaixo...

A Grande Aposta é um filme feito para uma geração e classe social acostumada às facilidades e maravilhas da vida capitalista, pessoas que querem saber sobre algo trágico que aconteceu, mas não querem ficar tristes, não querem saber de desapontamentos. Brad Pitt dá essa mensagem no filme. Ele questiona a alegria dos dois jovens investidores que comemoram a grana que vão ganhar, e os lembra que isso significa que milhões de pessoas já pobres vão morar na rua. Steve Carell também estampa na cara, quando conversa com uma stripper que tem 5 casas hipotecadas e percebe que realmente existe uma bolha prestes a estourar, e muita gente vai se dar muito mal. Inclusive, este personagem, que é o mais querido pelo público (por que tem os momentos mais engraçados), é o que mais sofre ao saber que ganhará muito dinheiro às custas da quebra do mercado e do começo de uma crise. Isso porque, após a morte de seu irmão, está passando por aquele momento em que questiona suas próprias atitudes capitalistas. Ou ao menos tenta, mas não consegue se desligar do seu eu verdadeiro e predatório, saindo sem pensar duas vezes de uma reunião para tratar de seu comportamento.

E no fundo, talvez seja sobre isso mesmo que o filme trata, e não sobre a crise em si. Mercado financeiro, bolha imobiliária, hipotecas, esquemas políticos, tudo isso é fachada para algo mais importante, que passa despercebido à primeira vista! Quando os funcionários dos bancos tiram sarro pelas costas do personagem de Christian Bale, o que eu vejo é uma cena bem comum: pessoas comuns tirando o sarro daquele nerd esquisito, antissocial, que não sabe nada sobre a vida. Quando Steve Carell entrevista os caras na Flórida que conseguem hipotecas até para imigrantes sem visto ou emprego, e eles ficam contando vantagem, o que eu vejo é a turma burra do happy hour de sexta-feira, que só quer saber de ganhar grana e festejar, farrear, pensando somente no dia de hoje e de visão limitada das coisas.

Enquanto governo e bancos tentam esconder a verdade e manter seu sistema falho e perigoso, as pessoas seguem suas vidas sem nem pensar ou questionar, porque afinal, “todo mundo faz assim” e “isso nunca aconteceu”, até a hora em que é tarde demais e famílias inteiras vão morar na rua, desempregadas e sem nenhuma perspectiva.



Calma, o filme está longe de ser um panfleto contra o capitalismo burguês! Serve mais como uma olhar analítico da sociedade atual, sobre como somos cegos para algo que não está diante de nossos olhos, a menos que esteja bem explicado, de fácil assimilação e de forma divertida. E de como somos, no fundo, egoístas.

Serve também de alerta para nós brasileiros, mesmo que o filme seja dos EUA. Sem levantar bandeiras nem ser maniqueísta, adotando lados opositores, como anda tão em vigor hoje em dia na Internet, mas prestando um pouco de atenção aos números que estão aí na nossa cara, o filme é um alerta para olharmos para nossa sociedade, nossa economia e nosso governo, com mais atenção e critério. Vivemos um momento de gente querendo provar que existe uma crise e gente querendo provar que ela não existe. Enquanto isso, a bolha vai inflando... Quem sairá ganhando com isso?

Enfim, A Grande Aposta é um filme quase obrigatório não só para estudantes, profissionais ou entusiastas de Economia ou do Steve Carell. Ouso dizer que qualquer um que tenha um olhar mais crítico sobre a sociedade e comportamento humano deveria assisti-lo.

A mim, resta torcer pelo Oscar de direção, montagem e roteiro adaptado, mais do que merecido! ;)

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Um comentário:

  1. A história é boa e bastante divertida. É uma produção espetacular, A grande aposta me manteve tensa todo o momento, se ainda não a viram, tem uma boa trama leve bom ritmo e consegue nos prender desde o principio. Ryan Gosling esta impecavel é uma das suas melhores atuações. Adoro do filmes com Ryan Gosling, porque sempre me deixa satisfeita por que em uma visão muito particular na hora de atuar em seus filmes. Considero que está no seu melhor momento como ator. Recomendo sua filmografia, meu favorita e Blade Runner 2049.

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