Deus existe e é um FDP que vive em Bruxelas!
Sua filha caçula Ea foge em busca de mais 6 apóstolos para juntar-se aos 12 de
seu irmão (J.C.), começando uma jornada filosófica, engraçada e espirituosa.
Deus, no caso, é um homem de
meia-idade, rabugento, egocêntrico e vingativo, que controla os humanos como
bonecos em uma maquete, exclusivamente para sua diversão. É o Deus do Velho Testamento, alguns
diriam. Ele é casado com uma mulher submissa que rouba a cena sem abrir a boca, que vive limpando a casa e assistindo jogos de beisebol pela TV. Além de Jesus – ou J.C. – que não
vive mais com eles, o casal também tem uma filha pequena, de 10 anos, chamada Ea, que questiona
as atitudes do pai e tem curiosidade de saber mais sobre o mundo. Esse é o
cenário da comédia belgo-francesa que representou o país na seleção do Oscar
para filme estrangeiro mas, sabe-se lá por que, não ficou entre os finalistas
(é melhor que o Cinco Graças, por exemplo).
Ea, seguindo conselho de J.C,
aproveita uma soneca de Deus para acessar seu velho computador, mandar para todas as pessoas a data
de morte de cada um e fugir para cá, em busca de seis pessoas que
participarão de seu evangelho, escrito por um morador de rua que a acompanha.
Deus, ao acordar, parte em busca de sua filha, para que ela reinicie seu
computador. A partir daí, seguem-se as piadas existencialistas características do diretor e do cinema belgo-francês, tudo permeado por música clássica (em sua maioria) e uma
certa poesia, doçura e leveza de um filme positivista.
Jaco Van Dormael, diretor belga
de filmes como Um Homem com Duas Vidas (1991) e Sr. Ninguém (2009), acertou a
mão na execução de um roteiro fantasioso e belamente melancólico, não
exagerando no uso dos efeitos especiais (apesar de alguns críticas que vi quanto ao estilo dos efeitos, eu gostei, achei que combina com a história). O filme
diverte, te deixa mais leve e lembra filmes como Mais Estranho que a Ficção, O
Fabuloso Destino de Amélie Poulain e alguns filmes de Michel Gondry.
Visualmente, acho até que tem uma paleta de cores semelhante a alguns filmes de
Wes Anderson. Então, se você é fã desses filmes e diretores, vai curtir esse
também. =)
Mas, indo além, o filme incomoda
um pouco (só um pouco) quando o clima pueril de uma fantasia quase infantil
toma ares de mensagem otimista do “esqueça Deus, faça o que tu queres, pois é
tudo da lei”. O final do filme deixa isso claro, confirmando aquilo que vai
sendo evidente ao longo da trama. É um filme para ver sem preconceitos. Não só
religioso, mas também sem julgar as ações de alguns personagens, principalmente
nos minutos finais. Se fizer isso, vai estragar a beleza do filme e achar que é
só um comercial do Pão de Açúcar de quase duas horas. Por outro lado, levar o
filme a sério, achar que ele “ensina” algo, fazer paralelos com nossa vida
real, também pode ser um erro. Só para começar, o filme se passa em
Bruxelas, na Europa, num contexto social bem diferente do nosso e de muitos
lugares do mundo. Então, recomendo assistir com coração e mente limpos, vendo o filme como ele é de verdade: uma fábula, só isso.
Eu até vi algumas análises do
filme no sentido filosófico e tal, mas nenhuma delas fez sentido para mim.
Inclusive, algumas achei mais superficiais e tendenciosas que o filme (as de
sites da grande mídia, claro). Li sobre feminismo, política, sociedade
consumista, gnosticismo... Tudo balela! E nenhum deles falou sobre uma coisa
que ficou clara para mim ao terminar de ver o filme: é mais daqueles um que reforça
minha teoria de que a geração de hoje defende o sonho de poder fazer tudo que
quiser sem sofrer nenhuma consequência, mas tem uma existência vazia e
niilista. Isso não está só nesse filme. Os outros dois autores desse blog já
falaram sobre isso, quando trataram sobre o filme Uma Aventura LEGO (Everything is Aweome!).
Fora isso, o filme é apenas um sonho infantil. Uma visão criativa de uma menina de 10 anos sobre
Deus e o mundo, e como seria divertido se algumas coisas fossem diferentes.
Deus aqui é Murphy, aquele que nos zoa sem limites. Ea
é aquela sua amiga que posta fotos e frases de “mais amor, por favor” no Facebook,
e reduz a vida à simplicidade e à ingenuidade de livros de autoajuda, ao som de uma música leve e
cool. Ea ouve a música que cada um tem dentro de si e cria sonhos poéticos para
abrandar a angústia de seus apóstolos. Esses, infelizes, tentam encontrar algum
sentido na vida e fazer coisas que deixaram para trás quando se tornaram
adultos.
Aliás, entre as músicas do filme, a música de Ea talvez seja o tema alegre da maravilhosa An Pierlé:
Como é comum nas comédias
francesas, tudo é pontuado por pequenas piadas absurdas, que deixam o filme
engraçado (assim como ver Deus se ferrando na Terra, onde não tem poder nenhum
sem seu computador). É um realismo fantástico bem típico do existencialismo
presente do cinema francês (e, consequentemente, o belga). Ainda assim, mesmo
que não tenha pretensões de ser um grande filme (espero que não), cumpre seu
papel de “Sessão da Tarde francesa”, sem culpa e sem nenhuma intensão de ser um
filme questionador, ultrajante ou acusador.
Afinal, tudo é uma bela brincadeira,
inclusive a vida. =)
Nota, de 0 a 10: 7 melões
divinos!
O Novíssimo Testamento
Le Tout Nouveau Testament
(2015, Bélgica/França/Luxemburgo)
Direção: Jaco Van Dormael
Roteiro: Jaco Van Dormael e Thomas Gunzig
Com: Pili Groyne, Benoît Poelvoorde e Catherine Deneuve
Prêmio: Cinema Europeu de Melhor Designer de Produção
Le Tout Nouveau Testament
(2015, Bélgica/França/Luxemburgo)
Direção: Jaco Van Dormael
Roteiro: Jaco Van Dormael e Thomas Gunzig
Com: Pili Groyne, Benoît Poelvoorde e Catherine Deneuve
Prêmio: Cinema Europeu de Melhor Designer de Produção
;)
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