quarta-feira, 20 de abril de 2016

CRÍTICA: O NOVÍSSIMO TESTAMENTO (LE TOUT NOUVEAU TESTAMENT)

Deus existe e é um FDP que vive em Bruxelas! Sua filha caçula Ea foge em busca de mais 6 apóstolos para juntar-se aos 12 de seu irmão (J.C.), começando uma jornada filosófica, engraçada e espirituosa.



Deus, no caso, é um homem de meia-idade, rabugento, egocêntrico e vingativo, que controla os humanos como bonecos em uma maquete, exclusivamente para sua diversão. É o Deus do Velho Testamento, alguns diriam. Ele é casado com uma mulher submissa que rouba a cena sem abrir a boca, que vive limpando a casa e assistindo jogos de beisebol pela TV. Além de Jesus – ou J.C. – que não vive mais com eles, o casal também tem uma filha pequena, de 10 anos, chamada Ea, que questiona as atitudes do pai e tem curiosidade de saber mais sobre o mundo. Esse é o cenário da comédia belgo-francesa que representou o país na seleção do Oscar para filme estrangeiro mas, sabe-se lá por que, não ficou entre os finalistas (é melhor que o Cinco Graças, por exemplo).

Ea, seguindo conselho de J.C, aproveita uma soneca de Deus para acessar seu velho computador, mandar para todas as pessoas a data de morte de cada um e fugir para cá, em busca de seis pessoas que participarão de seu evangelho, escrito por um morador de rua que a acompanha. Deus, ao acordar, parte em busca de sua filha, para que ela reinicie seu computador. A partir daí, seguem-se as piadas existencialistas características do diretor e do cinema belgo-francês, tudo permeado por música clássica (em sua maioria) e uma certa poesia, doçura e leveza de um filme positivista.


Jaco Van Dormael, diretor belga de filmes como Um Homem com Duas Vidas (1991) e Sr. Ninguém (2009), acertou a mão na execução de um roteiro fantasioso e belamente melancólico, não exagerando no uso dos efeitos especiais (apesar de alguns críticas que vi quanto ao estilo dos efeitos, eu gostei, achei que combina com a história). O filme diverte, te deixa mais leve e lembra filmes como Mais Estranho que a Ficção, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain e alguns filmes de Michel Gondry. Visualmente, acho até que tem uma paleta de cores semelhante a alguns filmes de Wes Anderson. Então, se você é fã desses filmes e diretores, vai curtir esse também. =)

Mas, indo além, o filme incomoda um pouco (só um pouco) quando o clima pueril de uma fantasia quase infantil toma ares de mensagem otimista do “esqueça Deus, faça o que tu queres, pois é tudo da lei”. O final do filme deixa isso claro, confirmando aquilo que vai sendo evidente ao longo da trama. É um filme para ver sem preconceitos. Não só religioso, mas também sem julgar as ações de alguns personagens, principalmente nos minutos finais. Se fizer isso, vai estragar a beleza do filme e achar que é só um comercial do Pão de Açúcar de quase duas horas. Por outro lado, levar o filme a sério, achar que ele “ensina” algo, fazer paralelos com nossa vida real, também pode ser um erro. Só para começar, o filme se passa em Bruxelas, na Europa, num contexto social bem diferente do nosso e de muitos lugares do mundo. Então, recomendo assistir com coração e mente limpos, vendo o filme como ele é de verdade: uma fábula, só isso.


Eu até vi algumas análises do filme no sentido filosófico e tal, mas nenhuma delas fez sentido para mim. Inclusive, algumas achei mais superficiais e tendenciosas que o filme (as de sites da grande mídia, claro). Li sobre feminismo, política, sociedade consumista, gnosticismo... Tudo balela! E nenhum deles falou sobre uma coisa que ficou clara para mim ao terminar de ver o filme: é mais daqueles um que reforça minha teoria de que a geração de hoje defende o sonho de poder fazer tudo que quiser sem sofrer nenhuma consequência, mas tem uma existência vazia e niilista. Isso não está só nesse filme. Os outros dois autores desse blog já falaram sobre isso, quando trataram sobre o filme Uma Aventura LEGO (Everything is Aweome!).

Fora isso, o filme é apenas um sonho infantil. Uma visão criativa de uma menina de 10 anos sobre Deus e o mundo, e como seria divertido se algumas coisas fossem diferentes. Deus aqui é Murphy, aquele que nos zoa sem limites. Ea é aquela sua amiga que posta fotos e frases de “mais amor, por favor” no Facebook, e reduz a vida à simplicidade e à ingenuidade de livros de autoajuda, ao som de uma música leve e cool. Ea ouve a música que cada um tem dentro de si e cria sonhos poéticos para abrandar a angústia de seus apóstolos. Esses, infelizes, tentam encontrar algum sentido na vida e fazer coisas que deixaram para trás quando se tornaram adultos.

Aliás, entre as músicas do filme, a música de Ea talvez seja o tema alegre da maravilhosa An Pierlé:


Como é comum nas comédias francesas, tudo é pontuado por pequenas piadas absurdas, que deixam o filme engraçado (assim como ver Deus se ferrando na Terra, onde não tem poder nenhum sem seu computador). É um realismo fantástico bem típico do existencialismo presente do cinema francês (e, consequentemente, o belga). Ainda assim, mesmo que não tenha pretensões de ser um grande filme (espero que não), cumpre seu papel de “Sessão da Tarde francesa”, sem culpa e sem nenhuma intensão de ser um filme questionador, ultrajante ou acusador.

Afinal, tudo é uma bela brincadeira, inclusive a vida. =)

Nota, de 0 a 10: 7 melões divinos!


O Novíssimo Testamento
Le Tout Nouveau Testament
(2015, Bélgica/França/Luxemburgo)

Direção: Jaco Van Dormael
Roteiro: Jaco Van Dormael e Thomas Gunzig
Com: Pili Groyne, Benoît Poelvoorde e Catherine Deneuve

Prêmio: Cinema Europeu de Melhor Designer de Produção


;)

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